sábado, 4 de março de 2023

Mês das mulheres: escritoras notáveis

Cassandra Rios, a primeira mulher a vender 1 milhão de exemplares          



Escrever e publicar livros nunca foram tarefas fáceis. Isso porque além de todo o processo de escrita e impressão, vender livros ainda é um desafio no Brasil.

E se você acha difícil ser conhecido como escritor hoje, imagina nos anos 1970! Sem as redes sociais, o boca a boca e os jornais impressos eram imprescindíveis para divulgar as obras literárias. E foi através deles que tivemos pela primeira vez o recorde de 1 milhão de exemplares vendidos.

Cassandra Rios era uma escritora cheia de polêmicas. Ela buscava se sustentar apenas com a venda de seus livros e, não por acaso, foi a primeira pessoa a vender 1 milhão de exemplares em solo brasileiro.

Ela estava longe de ser comunista e seus livros mal falavam sobre política. Mesmo assim, Cassandra Rios foi a escritora mais censurada pela ditadura militar. Até 1985, 37 dos seus livros haviam sido, em algum momento, retirados do mercado. A editora CBS, que editava suas publicações, chegou a ser fechada pelos militares. A censura não era algo novo para Cassandra. Ela, que estreou na literatura em 1948, já havia sido processada pelo Estado em 1952, durante o governo eleito de Getúlio Vargas. Na democracia ou na ditadura, o crime foi o mesmo: expor em livros o prazer feminino.

O pioneirismo de Cassandra Rios e a academia

Cassandra tinha 16 anos quando pediu aos pais: queria publicar um livro. Eles desembolsaram o valor de uma pequena tiragem sem ler o conteúdo – mais um pedido da filha, atribuído à timidez de iniciante. A Volúpia do desejo, porém, nada tinha de tímido: narrava o despertar sexual entre duas adolescentes. Foi lançado em 1948, bem antes da francesa Violette Leduc escrever (1954) e publicar (1966) Teresa e Isabel, com a mesmíssima temática.

Quando se fala em brasileiras na literatura erótica, há de se lembrar de Hilda Hilst. As duas foram contemporâneas, mas a semelhança quase que se encerra neste ponto. Há um abismo na forma de se expressar. Cassandra queria ser lida. Escrevia para as multidões: seu texto base é o romance de folhetim, suas descrições de atos sexuais são gráficas. O estilo popular, sem ousadia estética, a afastou da esquerda intelectualizada (ela também se considerava uma “conservadora”) e apenas nos anos 2000 a academia se abriu para a obra dela.

No debate na UFRPE, um depoimento crítico foi o que gerou mais respostas sobre o documentário de Korich. A professora de literatura brasileira da USP e pesquisadora Eliane Robert Moraes tira por menos a importância literária de Cassandra, ao considerar seu texto “honesto” e restringir sua importância ao ativismo lésbico. Para o pesquisador Rick Santos, da Universidade Estadual de Nova York, também citado no documentário, a literatura de Cassandra Rios é um “kitsch literário”: uma enxurrada de referências da “alta” cultura e da cultura popular, permitindo vários tipos de acesso ao seu texto.

No evento, a professora de Letras da UFRPE Renata Pimentel fez uma apaixonada defesa da importância de se debater a obra de Cassandra no meio acadêmico. “Me cansa a estupidez de uma autointitulada intelligentsia de julgar por um paradigma único. E toda vez que a literatura traz algo tematicamente que foge de um recorte específico intelectualizado, é colocado um adjetivo: ‘ah, é a literatura LGBT’. O que é mais político do que se falar sobre a existência? (…) É importante quebrar o paradigma elitista da academia que quer ser a única autoridade a definir como se julga”, falou.


Atualmente a obra de Cassandra Rios se encontra fora de catálogo. Dos cerca de 50 livros que publicou (alguns em fascículos), os mais fáceis de se encontrar em sebos são os reeditados em 2005 pela editora Brasiliense, como As traças. Alguns livros são vendidos em formato de e-book em sites de livrarias, como Eu sou uma lésbica e Carne em delírio, este último com trama heterossexual.

Cassandra Rios, uma mulher e escritora notável.

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