Cassandra Rios, a primeira mulher a vender 1 milhão de exemplares
Escrever e publicar livros nunca foram tarefas fáceis. Isso porque além de todo o processo de escrita e impressão, vender livros ainda é um desafio no Brasil.
E se você acha difícil ser conhecido como escritor hoje, imagina nos anos 1970! Sem as redes sociais, o boca a boca e os jornais impressos eram imprescindíveis para divulgar as obras literárias. E foi através deles que tivemos pela primeira vez o recorde de 1 milhão de exemplares vendidos.
Cassandra Rios era uma escritora cheia de polêmicas. Ela buscava se sustentar apenas com a venda de seus livros e, não por acaso, foi a primeira pessoa a vender 1 milhão de exemplares em solo brasileiro.
Ela estava longe de ser comunista e seus livros mal falavam sobre política. Mesmo assim, Cassandra Rios foi a escritora mais censurada pela ditadura militar. Até 1985, 37 dos seus livros haviam sido, em algum momento, retirados do mercado. A editora CBS, que editava suas publicações, chegou a ser fechada pelos militares. A censura não era algo novo para Cassandra. Ela, que estreou na literatura em 1948, já havia sido processada pelo Estado em 1952, durante o governo eleito de Getúlio Vargas. Na democracia ou na ditadura, o crime foi o mesmo: expor em livros o prazer feminino.
O pioneirismo de Cassandra Rios e a academia
Cassandra tinha 16 anos quando pediu aos pais: queria publicar um livro. Eles desembolsaram o valor de uma pequena tiragem sem ler o conteúdo – mais um pedido da filha, atribuído à timidez de iniciante. A Volúpia do desejo, porém, nada tinha de tímido: narrava o despertar sexual entre duas adolescentes. Foi lançado em 1948, bem antes da francesa Violette Leduc escrever (1954) e publicar (1966) Teresa e Isabel, com a mesmíssima temática.
Quando se fala em brasileiras na literatura erótica, há de se lembrar de Hilda Hilst. As duas foram contemporâneas, mas a semelhança quase que se encerra neste ponto. Há um abismo na forma de se expressar. Cassandra queria ser lida. Escrevia para as multidões: seu texto base é o romance de folhetim, suas descrições de atos sexuais são gráficas. O estilo popular, sem ousadia estética, a afastou da esquerda intelectualizada (ela também se considerava uma “conservadora”) e apenas nos anos 2000 a academia se abriu para a obra dela.
No debate na UFRPE, um depoimento crítico foi o que gerou mais respostas sobre o documentário de Korich. A professora de literatura brasileira da USP e pesquisadora Eliane Robert Moraes tira por menos a importância literária de Cassandra, ao considerar seu texto “honesto” e restringir sua importância ao ativismo lésbico. Para o pesquisador Rick Santos, da Universidade Estadual de Nova York, também citado no documentário, a literatura de Cassandra Rios é um “kitsch literário”: uma enxurrada de referências da “alta” cultura e da cultura popular, permitindo vários tipos de acesso ao seu texto.
No evento, a professora de Letras da UFRPE Renata Pimentel fez uma apaixonada defesa da importância de se debater a obra de Cassandra no meio acadêmico. “Me cansa a estupidez de uma autointitulada intelligentsia de julgar por um paradigma único. E toda vez que a literatura traz algo tematicamente que foge de um recorte específico intelectualizado, é colocado um adjetivo: ‘ah, é a literatura LGBT’. O que é mais político do que se falar sobre a existência? (…) É importante quebrar o paradigma elitista da academia que quer ser a única autoridade a definir como se julga”, falou.
Cassandra Rios, uma mulher e escritora notável.
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