domingo, 12 de março de 2023

A mulher que eu construi



Eu sou uma mulher de 60 anos, comemorados em 1º de novembro de 2022, data em que lancei o livro SESSENTE-SE BEM, juntamente com 25 convidados que também contam a sua história, em fotografias e escrita. Somos a geração que está se posicionando no sentido de não envelhecer.  

A mulher Leni, de olhos verdes e inquietos, viveu intensamente a sua juventude na década de 80, a década que provocou as mulheres a refletirem acerca da “idade da loba”, livro de Regina Lemos, onde quarentar era um desafio, uma marca histórica na vida da mulher.

A mulher dos anos 80 é aquela que sentia o repuxo forte da cultura de papeis diferentes para homens e mulheres, fossem eles em casa, fossem eles na vida pública. Ao mesmo tempo, sentia o impulso para respirar, para se emancipar, para “militar”. Foi a década de maior engajamento feminino em movimentos, em organizações, em que a mulher se dividia entre a militância e as questões do dia a dia. Pode-se dizer que somos uma geração que se construiu com “um pé lá e outro cá”. Nos libertamos sim, mas sentindo o repuxo forte do passado.

Tivemos mulheres corajosas que se destacaram na quebra de paradigmas como a princesa Diana, a pop Madonna, o feminicídio tratado pela lei por influencia de Maria da Penha, a francesa Françoise que descobriu o vírus causador do maior mal da década, a AIDS. Livros como “Mulher e Sexo”, que denuncia a mutilação feminina, foi publicado e divulgado na década de 80 depois de proibido por mais de 20 anos. E, Leni, que não desistiu do sonho de ser escritora e hoje ensina outras mulheres a brilharem na literatura, apesar de toda a maré contra, familiar, social, cultural. 

A jovem Leni dos anos 80 viveu o peso do papel da mulher em subordinação aos padrões em relação ao homem, ao mesmo tempo que buscou seu espaço, lutou por direitos, por olhar justo e equitativo na questão de gênero, subiu alguns degraus para a filha e a neta estarem entre as mulheres que mais levemente circulam pelos espaços, sejam eles de ordem privada ou pública. 

Eu vivi em um tempo em que o jovem tinha pressa para ficar adulto, símbolo de poder. Atualmente, vivendo o tempo em que, e vendo os jovens demoram mais para se engajarem em atividades consideradas adultas, como se envolver em relacionamentos, ter relações sexuais, trabalhar, dirigir, em comparação com o tempo da minha juventude, eu penso que também, para esses jovens, está tudo bem. Eles colherão os frutos da pessoa adulta que serão em breve, como eu estou colhendo a minha semeadura, e que me sacia com os frutos da resiliência, da persistência, da força de vontade, da diplomacia, da disciplina, do jogo justo e bem jogado, na vida particular e na vida pública. 

Da revolução tecnológica que aconteceu na década da minha juventude, que saiu da máquina de escrever elétrica, passou pelo PC de mesa, para notebook e hoje o universo na palma da mão em não mais do que 7 por 12 centímetros, eu vi e vivi tudo o que passou entre o rádio a bateria e o Spotfy. Eu vi nascer e morrer disco de vinil, eletrola, Tv preto e branco, rádio a pilha e depois a energia, fita K7, fita VHS, CD, pendrive, máquina fotográfica digital, entre outros. Tudo isso ao mesmo tempo em que eu estava sendo a mulher mãe (não em tempo integral), esposa (não servil), dona de casa (não necessariamente exemplar), boa nora (não mamãe do filhinho querido), religiosa (não ratazana de igreja com véu preto na cabeça dizendo: não sou mais virgem), e outros atributos que a mulher deveria (“deve”) ter. 

Sou hoje uma mulher plena, porque venci barreiras, traspus obstáculos consideravelmente fortes, firmes, e por isso comemoro vitórias. Sinto-me jovem com os jovens, ousando estar nas mídias, com meus canis ativos, em lives, em cursos online, em entrevistas em Podcast, em palestras virtuais, enfim, a modernidade tecnológica das mulheres jovens do tempo atual, com a vantagem de experienciar desde o radio a bateria, a Tv em preto e branco e a fita K7.

Pela minha filha e as mais futuras gerações de mulheres, eu sei que contribui para que o espaço da mulher seja de conquista de sua independência financeira, primeiro fator de liberdade feminina, bem como a ampliação de sua liberdade sexual e reprodutiva, sua inserção no mercado de trabalho, seu espaço em todas as áreas e funções. 

Ao mesmo tempo, eu compreendo que as jovens mulheres da atual geração ainda têm alguns obstáculos a transpor, como a dificuldade de conciliar a vida familiar com a vida profissional, a necessidade de priorizar e saber que isso traz consequências, uma vez que é desafiador desempenhar com excelência tantos papéis (mãe, profissional, esposa, dona de casa e outros). Ou seja, ainda estamos no meio do caminho. É nesse ponto que eu vejo a minha filha, com 35 anos, mãe de 3 filhos, excelente profissional e cuidadora do seu “lar”. 

Mulheres, firmes e fortes ainda em processo de conquistar espaços merecidos por direito, quebrando tabus, se expondo a violências físicas, sociais, morais, financeiras, resistindo e insistindo. E, nunca excluindo. O homem, os homens, os seus homens, sejam eles pais, esposos ou filhos, mantidos em seu coração, em suas conquistas, em seu existir. Mulher é acolher e cuidar, com excelência, onde elas estiverem.  

E vocês mulheres, o que construiram ou construirão?

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