Maria da Glória Gohn, Profa. Dra.
UNINOVE, Profa. Titular UNICAMP
e Pesquisadora CNPq, analisa as formas
organizacionais, as possibilidades e as tendências dessa participação,
na relação sociedade/estado, destacando o espaço dos conselhos a partir da
apresentação de alguns conceitos que tem sido utilizados no debate
contemporâneo sobre a participação da sociedade civil em esferas públicas.
O texto aborda também
as Organizações Sociais (OSs) e as Organizações da Sociedade Civil de Interesse
Público (OSCIPs), afirmando que a participação da sociedade civil na esfera
pública - via conselhos e outras formas institucionalizadas - não é para
substituir o Estado, mas para lutar para que este cumpra seu dever: propiciar
educação, saúde e demais serviços sociais com qualidade, e para todos.
Para conselheiros, é
de significativa importância o que Maria da Glória fundamentou sobre a
participação da sociedade civil em esferas públicas e os conceitos de sociedade
civil, de esfera pública, de empoderamento, de capital social e de participação.
Apreender esses conceitos é primordial para uma atuação qualificada do
conselheiro.
Sobre sociedade civil,
Gohn destaca que o conceito passou por uma trajetória histórica até ser definitivamente
introduzido no vocabulário político corrente e ser objeto de elaboração teórica
com o sinônimo de participação e organização da população civil do país em
lutas com práticas coletivas voltadas para a reivindicação de bens, serviços e
direitos sociopolíticos, negados pelo regime político vigente. Gohn ainda diz
que, nessa época, o principal eixo articulador da sociedade civil foi dado pela
noção de autonomia (organizar-se independentemente do estado) e por um discurso
estratégico para evitar alianças consideradas espúrias.
A autora afirma que o
princípio da auto-determinação, componente fundamental num processo de
autonomia, era exercitado de forma contraditória: frente à sociedade mais geral
e ao estado, os movimentos, especialmente os populares, apresentavam-se como
entes autônomos, com auto-determinação. Já a democracia direta e participativa,
exercitada de forma autônoma, era tida como o modelo ideal para a construção de
uma contra hegemonia ao poder dominante.
Gohn se fundamenta em Sader (1988)
para destacar os movimentos sociais populares urbanos reivindicatórios de bens
e serviços públicos e por terra e moradia, assim como em luta pelo
reconhecimento de direitos sociais e culturais modernos: raça, gênero, sexo,
qualidade de vida, meio ambiente, segurança, direitos humanos etc. Esse cenário
ampliou o leque dos sujeitos históricos em luta como os movimentos, as associações,
as instituições e as Organizações não governamentais (ONGs), além dos
sindicatos e partidos políticos já atuantes.
A autora descreve o
surgimento da figura do “sujeito social histórico”, centrado nos setores
populares seguido de uma pluralidade de novos atores, onde a autonomia dos
membros da sociedade civil deixa de ser um eixo estruturante fundamental para a
construção de uma sociedade democrática.
A questão da cidadania,
para Gohn, ganha novo contorno -
como cidadania coletiva – e diz que extrapola a demanda pelos direitos civis
para incluir outros direitos, como os direitos sociais básicos, elementares, de
primeira geração, contidos nas demandas por casa, abrigo e comida; como
direitos sociais modernos, relativos a condições de trabalho, educação, saúde etc.
A ressignificação da cidadania
como participação civil, trata não apenas dos direitos, mas também de deveres. Nessa
afirmação de Gohn, pode-se visualizar melhor a atuação dos conselheiros, porque
os deveres, na participação civil, pressupõe a responsabilização dos cidadãos em
arenas públicas (em colegiados como os conselhos, por exemplo), via parcerias
nas políticas sociais governamentais.
Valendo-se dos estudos
de Putnam (1993), Gohn apresenta
o conceito de empobrcimento relacionado à nova significação do conceito de “capital
social” que, segundo Putman, deve ser analisado por analogia com as noções de
capital físico e capital humano. Um cenário em que novos temas e
ressignificação de velhos temas surgem para alertar que ser apenas “ativista” não é mais suficiente para qualificar o
militante para o desempenho de suas tarefas. Ele deve conhecer também a comunidade
onde atua e ser sensível aos seus problemas.
Assim, Gohn sustenta suas
afirmações sobre a “participação” em três pressupostos:
a. Uma
sociedade democrática só é possível via o caminho da participação dos
indivíduos e grupos sociais organizados. b. Não se muda a sociedade apenas com
a participação no plano local, micro, mas é a partir do plano micro que se dá o
processo de mudança e transformação na sociedade. c. É no plano local,
especialmente num dado território, que se concentram as energias e forças
sociais da comunidade, constituindo o poder local daquela região; no local onde
ocorrem as experiências, ele é a fonte do verdadeiro capital social, aquele que
nasce e se alimenta da solidariedade como valor humano [...]. (GOHN, 2004, pag.
5).
Considerando que a análise de Gohn acerca da trajetória do
associativismo brasileiro foi feita em 2004, um contexto social diferente do
atual (quase dez anos depois), alguns pontos ainda convergem, como: os
problemas sociais graves que necessitam respostas urgentes e o setor de perfil
corporativo atuando na economia social segundo as regras da economia de mercado
predominando sobre os movimentos que trabalham de forma processual, com perfil
democrático e participativo e por isso com impacto na realidade lento.
Gohn diz que a importância se faz para democratizar a gestão da coisa pública;
para inverter as prioridades das administrações no sentido de políticas que
atendam não apenas as questões emergências, a partir do espólio de recursos
miseráveis destinados às áreas sociais, ressaltando o protagonismo de alguns
atores da sociedade civil no que se refere às políticas públicas, como os Movimentos
Sociais e as ONGs.
Registrou-se, no texto de Gohn, a crise dos Movimentos Sociais e
das ONGs na década de 1990, com tensões entre as lideranças na condução dos
movimentos urbanos, principalmente em relação a questões como:
institucionalização, participação ou não em conselhos propostos ou criados pelo
poder público, participação em programas governamentais, etc. apontou ainda
como fator de enfraquecimento o fato de várias lideranças ascenderem a cargos
no poder público, ou ao parlamento.
Para a autora, os novos tempos (considerando a década de 1990), de
desemprego e aumento da violência urbana, assim como o crescimento de redes de
poder paralelo nas regiões pobres, ligados ao narcotráfico de drogas e outros, também
colaboraram para desmotivar a população necessitada para participar de reuniões
ou outras atividades dos movimentos. Registrou ainda que a nova política de
distribuição e gestão dos fundos públicos, em parceria com a sociedade
organizada, focalizados não em áreas sociais (como moradia, saúde, educação
etc.), mas em projetos pontualizados, como crianças, jovens, mulheres etc.,
contribuiu para desorganizar as antigas formas dos movimentos fazerem suas
demandas e reivindicações.
Quanto ao serviço público prestado à população, Gohn observa um
movimento contraditório: de um lado, um avanço pelo fato de se ter contatos
diretos com agentes comunitários que conhecem a realidade dos problemas locais.
De outro, esse “atendimento personalizado” se inscreve num cenário de escassez
de recursos humanos e material. A autora fundamentou o exposto no pensamento de
Crevelim (2004) que concluiu que há limites no processo de participação dado
não apenas pela falta de infra-estrutura, mas falta também uma cultura de
participação, assim como falta vontade política para que a cidadania de fato
seja exercida.
Para entender o papel dos diferentes tipos de conselhos que
existem no Brasil, Gohn aponta a necessidade de entendermos a reforma do Estado
e o que são as Organizações Sociais (OSs) e as Organizações da Sociedade Civil
de Interesse Público (OSCIPs). No rol dessas reformas, a autora destaca a Reforma
do Estado elaborada pelo ex-Ministro Bresser Pereira que previa que as
políticas públicas para as áreas de Cultura, Educação, Lazer, Esporte, Ciência
e Tecnologia viessem a ser apenas gerenciadas e não mais executadas pelo
Estado. A referida Reforma do Estado não incluiu os Conselhos Gestores no
processo de contratação das OSs constituídas para gerirem os serviços públicos
e as atividades publicizadas.
Os Conselhos gestores, mesmo com poder deliberativo, teriam a
função de analisar o resultado de um processo do qual eles não participaram no
início, na própria constituição da OS. Contudo, a médio prazo, os serviços na
área social que saírem da órbita de execução direta pelo Estado deverão (contexto
2004) ser de responsabilidade das OSs e dos Conselhos de Gestão que estas precisam
instalar. Os contratos de gestão firmados por um determinado período também
teriam um Conselho relacionado com o Conselho do Município, na área social
correspondente.
Por isso, Gohn diz que os conselheiros devem ter formação e
consciência crítica, para terem como meta o entendimento do processo onde se
inserem; entenderem a questão dos fundos financeiros públicos e os critérios que
deveriam pautar seu uso para a eliminação da pobreza e das desigualdades
sociais, para o atendimento das necessidades da população, segundo escalas de
urgências e emergências. Aponta a esfera pública como um espaço para os
cidadãos organizados exercerem fiscalização e vigilância sobre os poderes
públicos constituídos via eleições, concursos ou critérios consuetudinários.
Diz ainda que a ampliação da esfera pública contribui para a formação de
consensos alcançados argumentativamente, numa gestão social compartilhada,
gestada a partir de exercícios públicos deliberativos.
Por fim, Maria da
Glória Gohn altera
para uma cultura de participação da sociedade civil, no sentido dos grupos
progressistas priorizarem pautas coletivas, deixando de lado “picuinhas” e
divergências em torno de interesses particulares e corporativistas e atuarem
nos espaços públicos da sociedade civil laços de pertencimento social,
projetos, valores e visões de mundo cidadãos a fim de que os seus resultados e
impactos promovam avanços na democratização das relações povo-governo e
mudanças sociais significativas em direção a projetos emancipatórios, que
contemplem a justiça, a liberdade, a solidariedade e a igualdade com respeito
às diferenças. Ou seja, PARTICIPAÇÃO CIDADÃ, em espaços como os Conselhos, que são
uma das modalidades para o exercício da cidadania.
REFERÊNCIAS
GOHN, Maria da Glória. Empoderamento e participação da comunidade
em políticas sociais.UNINOVE/UNICAMP. Pesquisadora CNPq – 2004.