1.
Filosofia para crianças e educar para o pensar
O professor Dr. Matthew Lipman, filósofo e
educador norte-americano, criou o programa Filosofia para Crianças no fim da década
de 60. Pioneiro em pensar a contribuição da filosofia para a formação integral
das crianças, sua intuição foi aos poucos se constituindo em um novo paradigma
de educação: uma prática reflexiva e investigativa (inquiry) em comunidade.
Lipman se baseia em John Dewey e
Lev Semenovitch Vygotsky que enfatizavam a necessidade de aprender a pensar e
não apenas memorizar conteúdos. Incorpora contribuições de diversos psicólogos
e filosóficos na estruturação de um projeto de ensino de filosofia.
Podemos
acrescentar nesta lista nomes como George Herbert Mead, Charles
Sanders Peirce, Jean William Fritz Piaget, Justus Buchler, Gilbert Ryle, Ludwig
Joseph Johann Wittgenstein, Martin Mordechai Buber, Immanuel Kant, dentre
outros.
Para Lipman há algo em comum entre as crianças
e os filósofos: a capacidade de se maravilhar com o mundo. Os filósofos levam
esta capacidade de maravilhamento às últimas consequências, descobrindo e
investigando os problemas da existência humana. Tais problemas giram em torno
de conceitos centrais, comuns e controversos em nossa existência. Dessa forma,
os filósofos conseguem criar e construir conceitos e buscar formas de explicação.
Tais problemas giram em torno de conceitos
centrais, comuns e controversos em nossa experiência. Desta forma, os filósofos
conseguem criar e reconstruir conceitos e buscar formas de explicação mais
abrangentes para os problemas da vida. As crianças ficam intrigadas com os
mesmos conceitos problemáticos, ou seja, colocam-se questões sobre a verdade,
as regras, a justiça, a realidade, a bondade, a amizade, etc. Necessitam,
portanto, de uma educação filosófica para tratar destas questões e,
simultaneamente, aprender os processos do raciocínio e do julgamento.
Filosofia para Crianças tem por objetivo
introduzir de forma intencional e sistemática a investigação filosófica na
formação das crianças desde os primeiros anos da educação formal e informal.
Podemos dizer que a principal tarefa do professor é a de criar condições para
que as crianças aprendam os conceitos de forma reflexiva e não mecânica, ainda
que, algumas vezes, tenhamos de recorrer a exercícios para bem realizar este
trabalho. Se a educação deve realizar a tarefa de aprender a usar a palavra
para significar a experiência, então há uma dimensão filosófica em toda
atividade docente. Fazer filosofia com as crianças é criar esta prática de
pensar, um ambiente onde o questionamento da criança sobre conceitos comuns,
centrais, controversos e problemáticos da experiência infantil possam ser
adequadamente investigados e não simplesmente respondidos com “verdades
absolutas” ditadas pela experiência do adulto.
O pressuposto deste paradigma educacional é o
de que a educação deve começar onde está a criança e não onde está o professor.
Trata-se, antes de mais nada de respeitar a dignidade da criança, um ser ativo,
presente, brincante, pensante, portador e produtor de saberes. Trata-se de
garantir o direito à liberdade de pensar, de escolher, de agir e de se
expressar.
De acordo com o que já dissemos, fazer
filosofia é uma necessidade humana básica para poder lidar de maneira
inteligente com os desafios e conflitos da vida da criança e não menos na vida
do professor ou de quem ouse abandonar o comodismo dos conceitos prontos ou a
rotina que leva a mesmice. Se estas reflexões estiverem corretas, a força do
amor implícita na palavra filosofia deveria encorajar todos a se envolver numa
luta pela democratização do acesso à filosofia em todas as idades, em todos os
momentos da educação que se proponha formadora das pessoas, em todos os espaços
da vida, independente de concordar ou não com um caminho para esse objetivo que
é Filosofia para Crianças.
Lipman propõe um uma pedagogia para fazer
filosofia que é a Comunidade de Investigação. Esta pedagogia se fundamenta no
diálogo e na inquirição. Ele criou também histórias e materiais para auxílio do
aluno e do professor. As novelas filosóficas, histórias para as crianças, e
livros do professor têm por objetivo tornar os conceitos acessíveis para a
experiência do filosofar. Lipman é explícito em dizer que estes materiais são
apenas uma alternativa, uma forma reunir e sistematizar diversos aspectos que
tornariam possível o filosofar com as crianças. Ele defende a importância de
criar outras formas de fazer filosofia com crianças.
Assim, com a pedagogia da Comunidade de
Investigação e os referidos materiais, Lipman busca “dramatizar” a filosofia
para que o encantamento das crianças com as questões filosóficas seja
alimentando, permitindo fortalecer as capacidades de pensar e ampliando a
sensibilidade para as outras dimensões filosóficas da experiência. E o pensar
para ele é multidimensional, ou seja, é crítico, criativo e cuidadoso. Lipman
coloca duas ideias regulativas deste paradigma reflexivo: a razoabilidade como
propriedade pessoal e a democracia como propriedade social. A Investigação
dialógica em comunidade constitui a base para construir a cidadania numa
prática democrática. Se falamos em “construir” é porque todos estes conceitos
são provisórios e devem ser submetidos constantemente à reflexão inteligente e
imaginativa.
2. Educação do pensamento –
aprimorar a capacidade de pensar
Filosofia para Crianças propõe que os conceitos
e problemas sejam investigados utilizando-se das habilidades de pensamento
(habilidades de raciocínio, investigação, interpretação e conceituação) e das
habilidades sociais, estas ligadas à empatia, descentralização e agir com base
a regras estabelecidas em comum. As habilidades são capacidades que permitem um
pensar bem sobre os conceitos. O melhor ambiente para aprender a pensar é a
pedagogia da Comunidade de Investigação. Aprender a pensar por si mesmo sobre o
próprio pensar é uma forma de investigação filosófica que emprega a lógica para
um pensar crítico, a dimensão estética para um pensar criativo e a dimensão
ética para um pensar cuidadoso. O pensar multidimensional – crítico, criativo e
cuidadoso – está ancorado no campo filosófico. A pedagogia para o aprender a
pensar bem é o diálogo investigativo em comunidade. O mesmo processo pode ser
ampliado para as outras práticas pedagógicas nas diversas áreas do
conhecimento. Pensar é uma atividade holística e a filosofia contribui com uma
perspectiva interdisciplinar.
Filosofia para Crianças propõe que os conceitos
e problemas sejam investigados utilizando-se das habilidades de pensamento
(habilidades de raciocínio, investigação, interpretação e conceituação) e das
habilidades sociais. As habilidades são capacidades adquiridas pela experiência
que permitem um pensar bem sobre os conceitos e problemas. Pensar bem tem as
características de ser autônomo, reflexivo, crítico, criativo, cuidadoso,
autocorretivo. Estas capacidades orientam os procedimentos que a inteligência
deve tomar em determinada situação problemática. Portanto, são procedimentos
inteligentes desenvolvidos através da prática, avaliados e reconhecidos como
recursos, instrumentos ou ferramentas do pensamento para construir o
conhecimento. São recursos, instrumentos ou ferramentas que permitem nosso
pensamento ampliar o conjunto de conceitos e formas de resolver problemas. As
habilidades estão em constante processo de aprimoramento á medida em que são
empregadas no processo reflexivo ou investigativo. Elas são constituidoras da
inteligência humana.
Lipman criou uma classificação de habilidades
em quatro grupos:
a) Habilidades de raciocínio: inferir,
comparar, identificar semelhanças e diferenças, contrastar, dar razões,
definir, aplicar critérios, detectar pressupostos, ambiguidades, contradições,
etc.
b) Habilidades de investigação: observar,
problematizar, formar hipóteses, verificar, provar, mesurar, descrever,
sintetizar, concluir, etc.
c) Habilidades de formação de conceitos:
estabelecer relações de parte-todo / meio-fim / causa-consequências, definir,
generalizar, etc.
d) Habilidades de interpretação ou tradução:
parafrasear, narrar, descrever, interpretar, perceber implicações, criticar,
etc.
As habilidades sociais dizem respeito às
capacidades de trabalho com o outro na comunidade. Elas estão ligadas à
empatia, à forma de lidar com as próprias emoções, à descentralização e ao agir
com base em regras estabelecidas em comum.
O melhor ambiente para desenvolver as
habilidades e aprender a pensar é a pedagogia da Comunidade de Investigação.
Aprender a pensar por si mesmo sobre o próprio pensar é uma forma de
investigação filosófica que emprega a lógica para um pensar crítico, a dimensão
estética para um pensar criativo e a dimensão ética para um pensar cuidadoso. O
pensar multidimensional – crítico, criativo e cuidadoso – está ancorado no
campo filosófico. A pedagogia para o aprender a pensar bem é o diálogo
investigativo em comunidade. O mesmo processo pode ser ampliado para as
práticas pedagógicas nas outras áreas do conhecimento. A filosofia contribui
com uma perspectiva interdisciplinar, buscando um pensar holístico sobre a
experiência.
3. Educação ética e política –
formação de valores e exercício da cidadania e democracia
A criança aprende, desde muito cedo, a valorar
e a perceber as implicações políticas de seu ser e agir no mundo. Ela ainda não
tem estas noções tematizadas, ou abstraídas nestes conceitos, mas são capazes
de percebê-las. Ela se comove diante da injustiça, do sofrimento e de toda
forma de barbárie do mundo globalizado: pobreza, degradação ambiental,
violência, fome, abandono, etc. Elas ficam indignadas diante das injustiças.
As crianças vivem diariamente os conflitos e
contradições de um mudo que propõe o consumismo e o prazer imediato. Elas
questionam estes fatos e querem saber as razões que levam o ser humano a agir
desta forma. Elas se interessam em buscar saídas para estes desafios. Se a
realidade é desafiadora ética e politicamente, ela é também esperançosa para
uma educação voltada para a formação do sujeito moral e político de forma
livre, autônoma e crítica.
Filosofia para Crianças é uma forma de investigação ética sobre os valores, permitindo a construção da identidade de forma livre e responsável. Não é, portanto, uma prática moralizante em que valores, normas e leis são incutidas para serem seguidos como verdades absolutas. O diálogo que se estabelece no processo coletivo de construção de uma Comunidade de Investigação toma os significados dos valores do universo cultural e os submete à reflexão.
A própria Comunidade de Investigação já
constitui um paradigma de vivência de valores éticos: o respeito mútuo, a
cooperação, a solidariedade, a justiça, a empatia e tolerância diante das
diferenças, o cuidado pelo outro, a confiança entre os membros, a esperança nas
capacidades humanas.
O ser ético é o que leva em conta o outro no
processo de valorar e de agir. A vivência destes valores na comunidade de
investigação pode alimentar a continuidade de sua experiência nos
relacionamentos em uma sociedade multicultural. Este é o sentido
ético-pedagógico deste paradigma filosófico-educacional.
Filosofia para Crianças incentiva e busca
desenvolver as capacidades da criança de pensar sobre os valores éticos e
torná-los guias para a ação humana. A vida democrática é a que oferece as
melhores oportunidades para o crescimento moral e o exercício da liberdade de
pensar, expressar e escolher. Quando a criança começa a filosofar – o diálogo investigativo
sobre a linguagem que usamos para dar significados ao mundo – está exercitando
sua cidadania. Nestas condições, a criança é um ser ético e cidadão, é um
sujeito que existe ao mesmo tempo “em si” e “para si.” Ela é protagonista de
sua experiência.
Não se trata de um conceito de cidadania
fechado, mas aberto à investigação dos sentidos pela própria comunidade. Ser
cidadão no mundo atual exige o desenvolvimento da capacidade de pensar e agir
de forma crítica, criteriosa, ética, estética levando em conta a justiça e o
bem comum. Daí que o exercício da cidadania passa necessariamente pela
investigação rigorosa, participativa e pública dos significados e referências
da comunidade, constituindo-se uma prática do filosofar ético e político. Neste
sentido podemos afirmar que filosofia para crianças tem uma clara política da e
para a infância.
Cidadania é muito mais do que reivindicação de direitos e cumprimento de deveres é um paradigma de conhecimento e de vida democrática alicerçado no diálogo e na investigação. As crianças têm muito interesse e gosto de participar deste processo e é nele que descobrem suas potencialidades e as colocam para o serviço da comunidade toda. Elas adquirem um senso de valor de si mesmas e da comunidade que se traduz no aumento da autoestima. A autoestima tem pelo menos duas dimensões: uma cognitiva e outra afetiva. Por um lado a autoconsciência de que é capaz de que se é capaz de pensar, julgar e autocorrigir-se; por outro lado o sentimento de confiança em si mesmo e nos outros capaz de respeitar e ser respeitado, amar e ser amado. Neste sentido, a autoestima significa ganhar poder na autodeterminação do próprio destino e no destino do mundo.
Responder às perguntas “que pessoa quero ser?”
e “em que mundo quero viver?” considerando as condições individuais, sociais e
culturais é um desafio diário, já que não são perguntas com respostas acabadas.
É um esforço na direção da busca da vida boa e feliz.
http://www.philosletera.org.br
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