A Escritora Leni Zilioto
contou o que despertou nela o desejo de escrever
Por Dieny Vieira
Da redação Afolhadomedionorte
Leni Chiarello Ziliotto é
natural de Guaporé do Rio Grande do Sul. É filha de Erzelino Chiarello
(agricultor) e de Maria Paula Tauffer Chiarello (professora). Casou-se com
Altamir Ziliottto e teve quatro filhos Altamir Júnior, Fernanda, Camila (in
memória) e Virginio. Leni é avô e tem cinco netos Arthur, André, Davi,
Antonella e Afonso. Veio para o estado de Mato Grosso em 2011, e residiu em
Nova Mutum. E desde 2014 mora em Sinop onde trabalhar. Temos residência em
Lucas do Rio Verde, onde seu esposo mora e ela vai aos fins de semana.
Ela é formada em Biologia e Pedagogia. E possui
especialização em Supervisão Escolar, em Ensino a Distância e em Educação
Ambiental. É Mestre em Gestão e Auditoria Ambiental. Leni é curadora para
exposições e coordenadora de projetos em audiovisual. Fundou a cadeira 21 na
Academia Sinopense de Ciências e Letras, com Érico Veríssimo seu Patrono.
Recebeu duas “Moções de Aplauso” e a “Comenda Colonizador Ênio Pepino” da Casa
Legislativa de Sinop, e o título de “Cidadã Mato-grossense” da Assembleia
Legislativa do Estado de Mato Grosso, pela contribuição das suas obras à
leitura, à literatura e à cultura mato-grossense.
A
escritora possui 15 obras independentes publicadas. Tem participação em 17
coletâneas. Realizou a organização de 6 obras e tem quatro exposições.
Iniciamos a entrevista perguntando a Leni Zilioto o que despertou em você o
desejo de escrever?
“Penso que ser escritor, como toda a arte, é nato.
Há possibilidades de aprimoramento, sim, ou deixar a arte nata morrer em você.
Ou apenas fazer acontecer. Livre arbítrio. Eu decidi fazer a arte da literatura
acontecer em minha vida, dedicando-me a aprimorá-la somente na última década,
uma vez que a dedicação maior até então foi ao trabalho de educadora e aos
estudos necessários para o sê-lo com qualidade. Ao mesmo tempo acredito que
influencias na infância fortalecem o desejo de exercer sua arte. Lembro-me das
aulas do meu professor nos anos iniciais da escola, sempre permeadas de
histórias, os clássicos Chapeuzinho Vermelho, A Cinderela, A Lebre e a Tartaruga,
e outros. Lembro, que à época, anos 70, as escolas do interior, no Rio Grande
do Sul, recebiam das Secretarias de Educação os livros de leitura com um
flanelógrafo e as imagens dos personagens em feltro, com lixa no seu verso,
para o professor ir colocando as imagens no flanelógrafo à medida que ia
contando a história. Um tipo de Youtube da época (risos). O dia que o professor
contava história era meu dia preferido de aula”, contou Leni.
Perguntamos então quando e onde ela começou?
“Tenho registros em caderninhos e agendas desde meus
12 anos de idade, quando fui matriculada em um Colégio Confessional Católico em
Casca, no RS, e com medo de que as freiras encontrassem meus poemas, eu
escrevia poemas para Jesus. Já aos 15 anos tenho registros dos meus primeiros
poemas de amor, de paixão, próprio de adolescente. Então, desde que me lembro,
escrevo. Ao mesmo tempo, a cultura sulista de descendência italiana, pautada em
valores mais preponderantes como estudar, trabalhar, ganhar bastante dinheiro,
comprar sua casa, construir sua linda família. Essa cultura, além do contexto
sul e descendência, tem a questão tempo/época, ou seja, anos 70 e início de 80.
Por isso, eu estudei, cursei faculdade, me profissionalizei, me
estabeleci como profissional da educação, casei, construímos nossa casa e
tivemos nossos filhos. Tudo como manda o figurino. O que o figurino não
dizia e eu mesmo assim fui fazendo, foi escrever. Aluna na faculdade,
namorando, trabalhando, tendo os filhos, fui rabiscando agendas, cadernos, guardanapos
de papel, onde eu pudesse, registrava meus pensamentos que me sufocavam e eu
tinha que soltá-los para não explodir (ou implodir). Poemas. Basicamente
poemas. Minha filha Fernanda e minha amiga Stela Maris, em um dos meus
aniversários, me deram de presente um CD com músicas do John Lennon e um poema
escrito na capa do CD. Ao ler o poema, fiquei intrigada, dizendo, “eu conheço
esse poema, mas não lembro de quem é”. Até as duas revelarem que mexeram em
meus escritos e decidiram colocar um poema meu na capa do CD. Disseram mais:
“você deve publicar um livro com esses seus poemas”. Aquilo ficou latente
até o dia que decidi, então, transformar os “rabiscos” em livro. Isso foi em
2001, quando lancei meu primeiro livro, Metamorfose, que foi traduzido para o
italiano, Metamorfosi, na Jornada Nacional de Literatura em Passo Fundo,
oportunidade que tive de fazer coro com Afonso Romano de Santana, Matha
Medeiros, Marina Colassanti, Ziraldo e Inácio de Loyola Brandão. Acredito que
com padrinhos desse gabarito, foi um início abençoado”, ressaltou ela.
Quais os maiores obstáculos que ela enfrentou?
“Primeiramente, como falei anteriormente, a cultura
de uma sociedade organizada para olhar a arte como “não trabalho”. Ou seja, a
necessidade de ter uma outra profissão desvinculada da arte da literatura para
ser remunerada equivalente às necessidades básicas de quem constitui família,
tem filhos, pretende ter sua casa própria, enfim. O segundo maior obstáculo é
publicar as obras. O mercado editorial está organizado para publicar livros
vendáveis, obras de pessoas famosas, ou temas polêmicos. Por exemplo, um livro
de poemas é publicado por grandes editoras se a pessoa é famosa. O livro será
vendido pelo autor, não pelos poemas. Entende? E ser publicado por uma grande editora
seria a garantia de sucesso da sua obra. A dificuldade para pequenos e anônimos
escritores é ser aceito pelos grandes selos editoriais. As pequenas editoras
não têm grandes espaços nos grandes eventos literários e dependem de que o
escritor pague pela publicação da sua obra. Uma gangorra que busca o equilíbrio
entre editora e escritor. Refletindo a pergunta, percebo que são
basicamente esses obstáculos do escritor: cultura social e mercado editorial.
Entretanto, no advento da internet e intensificado pela pandemia 2020, o
cenário está mudando porque o ciberespaço é gratuito. Então estamos vendo
bastante pequenos escritores se destacando pela sua performance com as
plataformas virtuais. O que vale dizer que é necessário ter competência para as
novas tecnologias ou investir em alguém que o faça para você, além da
habilidade literária”, salientou a escritora.
Onde ela busca inspiração para escrever seus livros
e quantos ela já escreveu?
“Ao ler meus poemas escritos aos meus 12/13 anos, me
faz acreditar que Platão me define um pouco quando diz que poeta é por vocação
e não por formação. Haja vista Pablo Neruda e Vinicius de Moraes que, acredito
tiveram a vocação e a formação pela leitura, não necessariamente acadêmica.
Esses dois são meus gurus na poesia, além de Elisa Lucinda e Afonso Romano de
Santana. Percebo que me identifico com eles, mas não os leio para escrever como
eles. Ou seja, gosto do estilo deles, li e leio seus poemas, mas não os utilizo
para escrever os meus poemas. É diferente, não sei bem explicar isso. Em 2006,
quando viajei ao Chile, conheci os jardins e a casa (inclusive a parte interna)
de Pablo Neruda, em Santiago; tem fotos do Vinicius na parede do escritório
dele. Foi uma experiência quase que sagrada. Em meus livros biográficos, não há
interferência minha; é fidedigno à entrevista dos personagens, em respeito à
proposta: sua história de vida. Obviamente que eu dou um jeito de fazer a
poesia aparecer, escrevendo um poema para a pessoa entrevistada. Até no meu
livro infantil tem poesia. Também, arrisquei um estilo jornalístico em um livro
encomendado por um padre sobre a devoção Nossa Senhora Mãe da Juventude. Não
sei se deu certo; quem deve dizer é o leitor (risos). Agora, acredito que para
responder efetivamente à pergunta que é sobre o processo de criação, devo dizer
que eu leio, estudo, pesquiso, entrevisto, mas minha inspiração são três
elementos básicos: a noite, a natureza e ambientes tipo cafés. A natureza, de dia,
claro. Quando eu me conecto com a natureza, preciso estar munida de papel e
caneta. E a noite, acompanhada por vinho tinto seco e chocolate, eu organizo as
ideias, os estudos, as pesquisas, as inspirações, os Vinícius e os Nerudas que
baixam em mim para produzir. Já os ambientes tipo cafés, muitos dos meus poemas
foram produzidos nos cafés de Porto Alegre, e nos últimos tempos, de Sinop e de
Lucas do Rio Verde. Por isso meu programa “Café com Leni”, que propõem uma
conversa literária entre amigos em um café. Acredito que se eu tiver que ter
meu escritório de escrita, funcionaria a noite ou ao ar livre, com muito verde
ou mar. Ah, e com café ou vinho e música. Fundo musical de saxofone. Acho o
saxofone um instrumento musical completo, inspirador, imponente e ao mesmo
tempo suave. Um poema!”, destacou.
Algum dos teus livros te define? Se sim qual e conte
por que?
“Respondi várias vezes à pergunta “qual é o
preferido?”. Ao que respondi, que é como se perguntassem qual é meu filho
preferido. Não há. Cada um é um e com seu igual valor e amor dedicado. Amo
todos. Os brancos, os ruivos, os morenos, os de cabelo longo, os carecas, os
calminhos, os hiperativos. Para quem tem filhos acredito que entenderá. Filho é
filho. E livro é livro. Já, com qual me identifico, refletindo agora penso que
a resposta não é tão distante, porque os poemas são meu oxigênio, não me
imagino vivendo sem escrever poesia. Então, com todos os de poesia me
identifico. Os “Carolinas” tem minha alma aberta ao público, onde deixo
aparecer toda minha essência de mulher no contexto cultural anos 80 e 90. Os
que versam sobre as mulheres, de Nova Mutum e de Sinop, me vejo representada
nelas, em cada história, por mais que sejam mais de 100, em cada uma tem um
pouco de mim e em todas tem meu sorriso e minhas lágrimas, pela vida que cada
uma relatou e que viveu. E o que dizer do infantil? Lá estou eu, menina de
trança, com seus medos, com suas fantasias, com sua inocência e sede de saber.
Assim, me identifico com todos, pela essência de tudo o que escrevo em minhas
obras. São vivas, fortes, incisivas. Não há como não me ver em cada uma delas,
com suas especificidades”, expôs Zilioto.
Ao finalizar a entrevista pedimos então para ela
deixar uma mensagem para aquelas pessoas que querem começar a escrever, que
desejam ser escritores, escritoras o que fazer e como começar?
“Eu acredito e prezo pela boa escrita. Ou seja, que
o escritor, no mínimo seja leitor. Eu lembro que ao entrar para a sexta série
do ginásio, ao ter acesso a uma gigantesca biblioteca no colégio em Casca, eu
devorava livros. Acredito que eu lia mais de 4 livros por mês. Lembro-me que em
uma gincana escolar, o desafio era responder à pergunta: Quem é o autor do
livro “Olhai os Lírios do Campo”? Eu me levantei na arquibancada onde havia
mais de 500 alunos e, de forma natural, respondi: Érico Veríssimo! O ginásio
fez silêncio, porque ninguém mais respondeu. Eu acredito que se não a única,
eram poucos que sabiam responder. Lembro-me que à época até eu me surpreendi,
porque eu achava que quase todos saberiam responder, ou seja, ler deveria ser
um hábito de todos. Ao cursar ensino médio em Guaporé, também em uma grande
escola de freiras e responsável pela biblioteca, eu lia coleções inteiras,
especialmente os proibidos, como Jorge Amado (se a freira, Irmã Palmira,
estiver ainda viva, saberá que infringi essa norma). Eram proibidos e eu
deveria escondê-los para os alunos não lerem. Aí então que eu lia e dava para
meus amigos lerem. O que eu quero dizer com isso, que a maior formação de um
escritor, é a leitura. E depois, escrever. Já a publicação de obras, é outro
capitulo da vida do escritor. Como falei, é o caminho pedregoso do mundo
editorial. Mas, se eu puder dar meu conselho aqui, essa geração tem o bônus da
internet. Vai para o ciberespaço e registra lá suas obras. Serem lidas e
conhecidas, depende da sua competência de divulgação. Eu sou da geração do caderno
e da caneta. Então tenho dificuldades com tecnologias. E se eu a quiser,
preciso pagar por quem sabe fazer, e caio na mesma armadilha das editoras. Já a
geração mais jovem, está com faca e queijo na mão. Ouse!”, concluiu a
escritora.
FONTE - http://www.afolhadomedionorte.com.br/em-entrevista-especial-para-a-folha-do-medio-norte-a-escritora-leni-zilioto-contou-o-que-despertou-nela-o-desejo-de-escrever/
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