quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Ciência e Religião – uma questão de fé



Leni Chiarello Ziliotto*
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*Leni Chiarello Ziliotto é aluna do curso de Doutorado em Epistemologia e História da Ciência pela Universidad Tres de Febrero, em Buenos Aires/Argentina. É educadora, bióloga, consultora e escritora. Especialista em Supervisão Escolar, em Educação a Distancia e em Educação Ambiental. Ainda, mestranda em Gestão e Auditoria Ambiental pela Universidade de León, Espanha. Está Diretora Pedagógica da Escola Brancca Maria (http://www.branccamaria.com.br/) e é consultora de escolas publicas e particulares em educação e de diversas empresas em gestão ambiental.



Ciência e religião são dois caminhos que levam muitas pessoas à contradição. Isso porque cada uma delas tem uma maneira de explicar os fatos e porque esses fatos são fatos que intrigam a humanidade desde o principio. Um exemplo disto é a discussão sobre a origem da vida no planeta Terra e sobre a criação e a evolução do ser humano.

Apesar dos avanços científicos ainda há grandes dificuldades de entendimento entre as teorias científicas e as reflexões religiosas. A própria definição de vida ainda é bastante polêmica. As pesquisas científicas mostraram como são complexas as diversas formas de vida no planeta Terra. E esta complexidade tem reforçado a inaceitabilidade da explicação da ciência de que a vida surgiu de uma série de eventos, ao acaso, da fragmentação de um corpo em explosão. Ou seja, reforça a crença em uma força misteriosa que a ciência até hoje não conseguiu explicar.

1         CIÊNCIA, FÉ E RELIGIÃO

Definir e registrar teorias significa seguir normas estabelecidas pelas comunidades cientificas e usar uma terminologia desse meio, científico. Por isso que nesse estudo, sobre a definição de ciência e sobre a definição de religião, e apresentando-nos na condição de pesquisadores iniciantes, a melhor escolha foi a de reproduzirmos definições já elaboradas por estudiosos que se aprofundaram no assunto.

Goldfarb (2004) apresenta como paradigma do nosso tempo para os temas “ciência” e “religião”, cada um no seu universo, com campos intelectuais autônomos. Ele diz que “Ciência lida com o mundo objetivo, utiliza a razão e a experimentação; religião lida com o mundo espiritual, utiliza a fé e a ritualística. [...] Distintas formas de ação do ser humano com características próprias e independentes.”

Küng, ao apoiar a teoria evolucionista, traz falas de Feuerbach, Marx e Freud que podem ilustrar essa relação entre ciência, fé e religião:

Ludwig Feuerbach tinha toda razão: sem duvida alguma a religião, como toda fé, esperança e amor humanos, contém um elemento de projeção. [...] Também Karl Marx tinha toda razão: a religião pode ser um ópio, um meio para acalmar e consolar a sociedade, uma forma de repressão, e muitas vezes o é. Ela pode ser tudo isso, mas não precisa ser necessariamente. A religião também pode ser um meio de amplo esclarecimento e de libertação social. Também Sigmund Freud tinha toda razão: a religião pode ser uma ilusão, pode ser expressão de uma imaturidade psíquica, ou mesmo de uma neurose, de regressão, e muitas vezes o é. Mais uma vez, porém, ela não precisa ser isto necessariamente. Pode, pelo contrário, ser expressão de identidade pessoal e de maturidade psíquica. (Küng, 2005, pp. 76-77; com ênfase no original).

Após o desenvolvimento dos métodos científicos há uma tendência em valorizar muito[1] o que diz o cientista. A mídia contribui para essa cultura ao apresentar produtos enfatizando os termos: “cientistas dizem”, ou “mais uma descoberta da ciência”, ou ainda “está provado cientificamente que”. Sempre que o termo “ciência” ou o termo “cientista” aparece, a credibilidade aumenta. A “fé” em um deus criador foi abalada. Quem reforça essa idéia é Feyerabend[2], filosofo que lutou contra a as amarras da ciência, dizendo que a ciência estava decidindo as nossas vidas e empobrecendo a cultura do ser humano ao nos entregarmos exageradamente confiantes a um médico e não a um bruxo. 

Porem, o que queremos chamar atenção nesse capítulo é para o embate entre o modelo explosivo big bang e a teoria de que Deus é o criador de todas as coisas. Quem fez o Universo? Há os que consideram ciência a teoria do big bang tanto quanto a teoria da criação do universo por uma força metafísica, com o argumento da “falta de falseabilidade”. Não há provas de que “assim não é”, especialmente a existência de um deus que tudo criou e comanda até hoje o curso do universo. Esse conceito de ciência dificulta a construção de uma única teoria sobre a origem de tudo, porque não consegue chegar a verdades absolutas sobre as grandes questões como: a origem e a evolução da vida no planeta Terra; o fim da vida; o fim do planeta Terra, o fim do Universo.

Os que acreditam na criação da vida dizem que acreditar na ciência exige tanta fé quanto crer em Deus. Esse conflito entre ciência e religião é conhecido historicamente. Inicialmente um confronto entre a igreja e os cientistas com teorias como o sistema heliocêntrico[3] ou a origem da vida com base no evolucionismo[4], chegando ao final do século XX e início do século XXI com confrontos entre comunidades cientificas e religião sobre temas como transgênicos, clonagem e células-tronco.

Há os que defendem a proposta da ética ser a que une ciência e religião. O que se percebe nas sociedades humanas, porém, são práticas que não corroboram com esse argumento. A ética é usada como argumento para insuflar esses conflitos. Exemplo disso é a questão das células-tronco não autorizadas pela força da religião em nome da ética defendendo os embriões. Contudo, pela proibição, oportuniza a prática dessa técnica por seres humanos que querem viver mais e que têm dinheiro. O poder econômico é que define as práticas da ciência, e não a ética. Outro exemplo são as plantas geneticamente modificadas por cientistas para lucrarem com as patentes. Os efeitos desses produtos no ambiente e nos organismos vivos bem como a solução de problemas das sociedades humanas não estão entre as prioridades dessa técnica. É sim o lucro, o fator é, mais uma vez, o econômico.

O ser humano do século XXI tem por meta a longevidade e a qualidade de vida. Ao mesmo tempo, percebe-se que muitas das ações humanas não contribuem para atingir essa meta. Uma dela é a de priorizar o lucro com patentes em detrimento da preservação da biodiversidade. As pessoas que assim agem, têm uma religião. Como um ritual, um dogma, mais uma prática com a simples função de elemento cultural? Para Usarski,

[...] a religião como dogma não contribui para evolução positiva das sociedades humanas, por isso não é importante. A religiosidade, inerente a todas as religiões, sim. Religiosidade é atitude de vida. E aqui está uma das grandes diferenças entre a ciência e a religiosidade: enquanto a ciência exige e por isso se degladeia pelas patentes, Jesus não patenteou o lema “amai-vos uns aos outros”. Isso está no cerne de várias religiões. É uma questão de religiosidade, portanto, não de religião. (Usarski, 2010)

Albert Einstein disse que “Ciência sem religião é marca. Religião sem ciência é cega”, e que “A ciência nos afasta de Deus, mas a ciência pura nos aproxima de um criador.” Essas afirmações provocam uma reflexão acerca do conflito entre as duas entidades – ciência e religião – como uma questão de poder e autoridade que disputam, que uma quer ter sobre a outra. Contudo, acabam sendo úteis uma a outra, porque quando surgem os apontamentos da falibilidade, a que foi alertada de seus pontos fracos busca se aperfeiçoar para se fortalecer no poder e na autoridade. A religião sabe-se sem a razão e a ciência tem consciência de sua finitude.

2         EVOLUCIONISMO E CIRACIONISMO[5]

Sobre a origem da vida, para os cientistas, teoria aceita até os dias de hoje é o evolucionismo, cujo inicio foi há poucos bilhões de anos com uma grande explosão denominada big bang. Com o advento da internet, essa teoria está sendo “bombardeada” por diversos “ângulos de visões”, por diversas interpretações. Pelo paradigma vigente de ciência, as considerações são para manifestações com base em um método científico e interpretado por uma comunidade científica.

Sobre o modelo cosmológico conhecido como big bang, a atenção dos cientistas nos últimos anos está sobre um novo cenário conhecido como “Universo eterno dinâmico”. Esse novo modelo apresenta circunstancias que enfraquecem o modelo big bang. Novello (2010) considera o big bang uma boa descrição cientifica do começo do Universo, tornando-se uma espécie de mito da criação. Em seu livro Do Big Bang ao Universo Eterno, o cosmólogo Mário Novello, que se dedica ao estudo de um novo cenário para explicação da origem da vida e do Universo, apresenta a fragilidade da “verdade cientifica do big bang” na “impossibilidade de qualquer investigação anterior àquele momento singular de consideração máxima e, portanto, qualquer tentativa de ir alem dele”. (Novello, 2010, contracapa).

Uma expressão usada por Novello, depois de um ano de estudos sobre modelos cosmológicos que se opõem ao big bang, é “[...] fim do paradigma paralisante do modelo explosivo” (Novello, 2010, p. 11; sem grifo no original). Ao classificar o big bang como modelo paralisante, Novello provoca para manifestações bastante diversificadas, entre elas da religião que se fortalece com o enfraquecimento da teoria no modelo big bang. Os resultados dos estudos de Novello dão margem para, como disse um professor da Universidade de Lyon citado por Novello, “[...] reduzir o status dessa ciência, abrindo espaço para o aparecimento de explicações de caráter não cientifico e até transcendentais” (Ibidem, p. 13). Ele reforça a idéia de “modelo paralisante” dizendo que é um “modelo que inibe uma história racional completa do Universo” (Ibidem, p. 14).       

Além de retomar uma das grandes questões entre ciência e religião ao afirmar que o “Universo é eterno e não teve um começo em um tempo definido”, Novello (2010) critica a divulgação em meios de comunicação de massa como jornais cotidianos e revistas não especializadas informações que “os cientistas estão longe de provar com toda certeza” (Ibidem, p.12) quando se trata de “questões envolvendo tema tão sensível quanto o “começo de tudo”” (Ibidem, p.13; grifo no original).

Novello também assinala que ciência e religião possuem uma relação de poder uma sobre a outra ao dizer que

[...] toda afirmação que se faz e que não teve ainda sua verdade confirmada pelos métodos convencionais, absolutos e universais da ciência deve exibir para o ouvinte e/ou o leitor sua condição limitada ou provisória. Caso contrário [...] esse uso indevido do status elevado que a ciência possui nada mais será que uma “máscara atrás da qual se esconde um poder político que não ousa se declarar como tal”. (Novello, 2010, p. 15).

Como explicação racional sobre a origem do Universo, o big bang é o modelo que dominou, segundo Novello(2010), a maior parte da história moderna da cosmologia, em particular dos anos 1970 a 2000. E esse modelo não foi abandonado de todo, mas “não está mais dotado de vigor e da hegemonia que possuaia no passado recente” (Ibidem, p. 17).

Nessa brecha entraram as religiões fortalecendo-se em um momento em que a ciência ainda não produziu uma explicação racional sobre a origem do Universo pelo modelo big bang. A explicação dos fenômenos segundo o esquema científico vigente “observação-teoria-observação” impossibilita o registro de dados  mensuraveis em um cenárioo explosivo. Uma teoria, que segundo o método cientéfico hipotético dedutivo não foi falseada, portanto científica, porém que não conseguiu falsear a existência de um Deus criador de tudo o que existe, e portanto tambem possivel.
 
A proposta de Novello (2010) é de um “Universo eterno”, ou seja, em expansão. Tema para ser aprofundado em um estudo específico. O que trazemos, aqui, dos estudos de Novello (2010), é  a argumentação da fragilidade do modelo big bang, e por consequência, até a ciência não construir uma explicação cientificamente válida, fica um espaço em que as religiões se fortalecem, com o argumento de que, se a ciência não tem respostas para as grenades questões da vida, é porque existe um ser supereior que tudo criou e continua defeinido os rumos do Universo. O Criacionaismo se fortalece com as diversas igrejas embasadas nos textos do “Livro Sagrad”, defendidos pelos criacionista como verdades reveladas de forma verbal por uma divindade que detem o poder da criação e manutenção ou destruição da vida.

Vários teólogos defendem a inerrancia dos textos bíblicos e criticam a leitura da Bíblia “pelas lentes do método científico moderno com mentalidade cartesiana, positivista e empírica, cujo contexto em muito se distancia da mentalidade semítica com a qual as Escrituras estão entrelaçadas”. (Borges, 2009). Isso reforça o conceito de que o principío de tudo é Deus. “No principio criou Deus os céus e terra. (Gênises 1:1). 

É preciso compreender, nessa defesa do ciracionismo com o argumento de que os textos bíblicos são inerrantes, os contextos das duas mentalidades citadas pelos teólogos, semítica e científica modrena, e a relação entre os dois. O ciracionaismo foi originado em um mundo pre-científico, no qual  abundavam os mitos e que, portanto, baseia-se na noção de que existe um ser sobrenatural, um “Projetista do mundo” e “Supremo Legislador” que não pode ser investigado cientificamente. (Javor, 2010).

George Javor, professor e pesqusador do Departamento de Bioquimica da Escola de Mediciana de Loma Lima, Califórnia, supreende com a firmeza da declaração de que “a visão adventista de mundo baseia-se no profundo tema do grande conflito entre Cristo e Satanás. A Bíblia afirma que nos últimos dias Satanás trabalhará poderosamente para enganar o mundo. Um dos pilares deste engano pode ser a teoria da evolução”. (Javor, 2010). Javor conclui seu artigo dizendo que

O criacionismo é um paradigma robusto, plenamente capaz de sustentar o empreendimento científico no novo milênio. A aceitação mais ampla do Criacionismo pela comunidade científica no futuro dependerá em parte de quão bem poderão os teólogos convencer os cientistas do inapreciável valor da informação revelada. Além disso, essa abordagem ganhará maior credibilidade à medida que mais cientistas efetuarem pesquisas com base na perspectiva criacionista. (Javor, 2010).

A proposta de Novello (2010) de um “Universo infinito em expansão acelerada”, porém, não é de afirmar que o início do Universo é por obra da “criação de Deus”. Contudo, ao enfraquecer o modelo big bang, abre fronteiras para o  fortalecimento da teria criacionista equanto a comunidade cientifica não apresentar explicações convincentes ao mesmo tempo em que a mídia divulga  afirmações como as de Javor.

Na edição de maio de 2008 do Osservatore Romano, o diretor do Observatório do Vaticano, José Gabriel Fundes, afirmou estar convencido da validade da teoria do big bang para explicar a origem do mundo, considerando-a completamente compatível com a existência de Deus. (Novello, 2010).

Essas e outras notas de rodapé na obra de Novello, provocam, se não a crença no modelo criacionista, o enfraquecimento do modelo big bang e propoe que “deveríamos esperar o surgimento de uma nova cosmologia” (Ibidem, 2010, p. 124). Ao mesmo tempo em que estamos vivendo num tempo de avanço tecnologico e científico acelerado que apresenta novas visões dos fenôomenos, continuamos presenciando uma catequese com pastores  pregando doutrinas como

No principio, tudo era simples. Deus havia criado o céu e a terra... plantas para ornamentar sua criação, animais para povoá-la, o ser humano feito à sua imagem e semelhança para reinar sobre toda essa obra deixada a partir de então à mercê de seus de seus caprichos... porém, um detalhe pôs tudo a perde nos planos divinos. Sua obra máxima, o centro e a coroa de sua criação resolveram insurgir-se contra suas ordens... e eis que Ele teve de expulsá-los do paraíso perfeito, abortados de Seus planos de felicidade eterna e vida harmoniosa, pois comeram do único fruto proibido: o fruto do bem e do mal. A partir disso, Homem e Mulher aprenderam a duvidar e a questionar, aprenderam que teriam que lutar pelo seu sustento, pela sua felicidade... aprenderam que teriam que aprender como o mundo funciona... (Goldfarb, 2004).

Esse fenômento cumpre a função de tentar responder ao desejo humano de conhecer suas origens, assim como a comunidade científica faz com a apresentação de modelos como o big bang. A mesma comunidade científica, formada por elementos com diferentes visões, se vale do modelo atual vigente para avançar no entendimento da origem de tudo e para responder, como foi mencionado acima, a provocações do tipo “Big bang, uma religião mascarada de ciência” ou ainda “evolução - não me toques que me desafias”. [6]

2.1     Modelo explosivo da origem do Universo: o Big Bang

Os estudos de Novello sobre a origem do Universo foram realizados em 2009 e seus resultados, que propõem um “Universo eterno” foram publicados em 2010. Hans Küng, no seu livro O princípio de todas as coisas: ciências naturais e religião, publicado no ano de 2005, defende com veemência a origem do Universo pelo modelo Big Bang quando diz que


[...] hoje os astrofísicos estão em condições de descrever com exatidão o princípio do cosmos: como ele surgiu, como, por assim dizer, aconteceu a criação do mundo vista pela ciência. O consenso alcançado aqui entre os cientistas é tão grande que se fala de um “modelo-padrão”, frente o qual os modelos contrários não conseguiram se impor. (Küng, 2005, pp. 25-26, grifos no original).

Percebe-se, nessa anlise, a forte incisão com  que Küng afirma o modelo explosivo big bang como a origem do universo, denominando-o de “a explosão inicial” (p.25), bem como o curto espaço de tempo entre as publicações de Küng e Novello.

Em sua obra Küng apresenta argumentos em defesa da teoria do início do universo por uma explosão inicial usando uma linguagem bastante incisiva, quase que ameaçadora para um leitor leigo, desafiando qualquer teoria criacionista. Ele afirma com veemência suas conclusões e durante toda a obra vai permeando o texto com passagens direcionadas aos criacionistas, do tipo:

Com pleno direito e amplo sucesso, as ciências naturais procuram aproximar seus conhecimentos da certeza matemática. Exemplo impressionante disso é o modelo-padrão da explosão inicial. Da física atômica à astrofísica, da biologia molecular à medicina, as pesquisas exatas podem ser realizadas de forma a se atingir a maior certeza matemática possível. A ciência natural de orientação matemática é, pois, plenamente justificada e autônoma, possuindo suas leis próprias. Nenhum teólogo, nenhuma pessoa da Igreja tem o direito de questioná-la, apelando para uma autoridade superior (Deus, a Bíblia, a Igreja, o Papa). (Küng, 2005, p. 51; sem grifo no original).

O estilo de Küng de escrever usando termos exageradamente favoráveis às suas conclusões como os grifados na citação acima, tende ao convencimento do leitor de que a teoria evolucionista é a única explicação válida para o inicio e a existencioa do universo.

2.2     As evidências da Evolução

“As evidências da evolução” são registradas em diversas obras de diversos autores evolucionistas. Propomos, anteriormente, uma analise sobre o curto espaço de tempo entre as publicações de Novello e de Küng. Refazemos a proposta de analise, agora, entre o tempo de publicação da obra de Novello (2010), resultado de pesquisas realizadas no ano de 2009, e de Dawkins (2009). Richard Dawkins é considerado “um expoente dos prodígios da ciência, um defensor da razão e do saber científico e inimigo de todo tipo de misticismo” (The New York Times). Em sua obra O Maior Espetáculo da Terra, Dawkins (2009), porta-voz da biologia evolucionária, apresenta as “evidências que comprovam que a evolução pela seleção natural é a única explicação válida para a vida na Terra”. A pretensão da obra de Dawkins é “ser necessária” para

de um lado, dar munição infalível aos que ensinam a evolução ou desejam compreendê-la em seus mais fascinantes aspectos; de outro, apresentar aos que negam a evolução pela seleção natural uma argumentação cientifica tão clara, tão incontestável que não lhes será possível continuar a sustentar suas concepções errôneas depois de terem sido expostos a este livro. (Dawkins, 2009).

Se, por um lado temos vivido um período na história da ciência em que os representantes das grandes revoluções cientificas foram calados por representantes religiosos, especialmente do catolicismo, estamos vivendo em um tempo em que fatos como o que ocorreu em janeiro do ano de 2008 em que o Papa Bento XVI foi impedido por um pequeno grupo de docentes – considerando o universo da instituição – de proferir discurso de abertura do ano letivo da Universidade de Roma La Sapienza, podem ser percebidos como a “virada do jogo”. Será?

Está demonstrado na obra de Dawkins (2009), com dados do Gallup[7], que a hora da ciência ser soberana ainda não chegou, porque quarenta e quatro por cento dos americanos negam totalmente a evolução, conduzida ou não por Deus, e trinta e seis por cento acreditam na evolução porém conduzida por Deus. O autor interpreta os dados da pesquisa do Gallup como uma “verdadeira tragédia” (ibidem, p. 398) e lamenta o fato, porque resta, pelos dados da pesquisa, apenas uma minoria de quatorze por cento dos americanos que acreditam na teoria da evolução sem a interferência de Deus. O panorama é de no mínimo quarenta por cento dos americanos criacionistas ferrenhos, inflexíveis, antievolução.

Dawkins atribui grande parcela de responsabilidade pela construção dos conceitos com bases criacionistas às religiões sim, mas também aos professores hostilizados que tentam ensinar a evolução com base em currículos pré-estabelecidos, e inicia a escrita do livro O Maior Espetáculo da Terra com afirmações incisivas – aproximando-se, na forma de registrar suas teorias, a Küng: “A evolução é um fato. Alem de qualquer dúvida razoável, além de qualquer dúvida séria, além da dúvida sã, bem informada, inteligente, além de qualquer dúvida, a evolução é um fato” (Dawkins, 2009, p.18).

Podemos dizer que o ser humano tem dificuldade de perceber as relações ente os fatos e os fenômenos, e principalmente a relação entre ciência, fé e religião. Para uma sociedade que obedece cegamente a ciência ao entregar-se aos médicos, nega a teoria da evolução, segundo os dados da pesquisa do Gallup.

3         LIMITES DA CIÊNCIA

Com base em parte do exposto até aqui, pode-se dizer que a ciência, por mais que argumente a não existência de um deus criador de tudo, tem, na ausência de respostas às grandes questões da vida, uma de suas maiores limitações. Publicações de cunho acadêmico universitário assumem essa limitação da ciência, como é o caso de Küng ao afirmar que a nova física, “numa dramática história de êxitos e sucessos, conseguiu de forma surpreendentemente exata chegar a uma descrição empírica do inicio do universo”, ao  mesmo tempo que declara que “mesmo o modelo-padrão, evidentemente, não tem resposta para todas as perguntas. Ele não esclarece, por exemplo, porque a distribuição da matéria foi tão homogênea e isotrópica [...]”. (Küng, 2005, p. 28)

Nas últimas décadas a ciência evoluiu com rapidez e a cada dia surpreende com avanços de técnicas, em questões pontuais como a dos transgênicos, da clonagem, das células-tronco. Situações que envolvem a questão das religiões e provoca críticas, discussões, elogios e divulgação do conhecimento científico não somente pelos instrumentos formais da ciência, mas também pela mídia, que o envolve em um manto de senso comum, muitas vezes tendencioso segundo os princípios de pequenos grupos gestores das mídias.

Essas questões pontuais são frequentemente temas de manifestações acerca dos limites da ciência, com declarações de que a ciência deveria ter limites para que a humanidade não se auto-destrua pelo uso de seus próprios engenhos, como as bombas e a degradação ambiental. O apelo é para que o ser humano respeite a vida. E esse apelo está sendo relacionado aos limites da ciência, como por exemplo, a questão do uso de embriões como fonte de células sem considerar que o embrião é uma vida. Com esse tipo de questão a ciência entra em conflito, com as religiões principalmente.

Questões mais complexas são também expressam o limite da ciência, como as “limitações básicas do conhecimento físico-matemático [...]” e “a física deparou-se com limitações básicas na teoria quântica.” (Küng, 2005, p. 52). Horgan (1998), porem, vai mais longe. É um autor que dedica-se a justificar que a ciência está chegando ao seu fim.

Fazer ciência hoje é difícil, porque os condicionantes sociais, políticos e econômicos apontam para um futuro mais difícil ainda (defensores dos animais, fundamentalistas religiosos, políticos míopes e mesquinhos). Porem a ciência vai colocando limites ao seu próprio poder à medida que avança. Exemplos: A teoria da relatividade (Einstein) não permite a transmissão da matéria nem da informação a uma velocidade maior que a da luz; A mecânica quântica estabelece que nosso conhecimento do microcosmo será sempre incerto; A teoria do caos confirma que vários fenômenos são impossíveis de prever. Os otimistas que pensam ser possível superar todos os limites da ciência, enfrentarão o mais inquietante dilema: O que farão os cientistas se conseguem saber o que se pode saber? Qual seria, então, o objeto da vida? Qual seria o objeto da humanidade? Se acreditamos na ciência, devemos aceitar a possibilidade - inclusive a probabilidade - que a grande era do descobrimento cientifico passou. Pode ser que as próximas investigações não trarão mais revelações nem revoluções de grande envergadura a não ser fatos graduais e decrescentes. (Horgan, 1998, p. 21 e 22)

Horgan diz do fim somente da ciência teórica que busca a verdade por si mesma. A ciência aplicada, a prática que busca o conhecimento com a intenção de aplicá-la, não apenas justificá-la, será mantida. Por isso o fim das grandes revoluções científicas, como as de Copérnico, Darwin e Newton. Horgan apresenta um conceito ingênuo de ciência ao dizer que ciência tem limite, tem fim, mas não mostra o limite, não mostra o fim. Porém, apresenta um argumento forte para as limitações da ciência e em defesa de uma ciência somente prática. Ele diz que a sociedade não se interessa mais pela ciência. É tão completa que as pessoas comuns não irão entender. O único interesse que a sociedade tem pela ciência é que resolva os problemas cotidianos, e não se interessa pela teoria da ciência, como se faz ciência. A sociedade não quer saber como se cura a doença. Ela quer ser curada. O interesse da sociedade pela ciência é prático, não teórico. Por isso diz que a ciência teórica tem seu fim, porque a sociedade, que financia a ciência, não se interessara mais em manter financiado uma ciência teórica. Também a sociedade está percebendo as desvantagens e os perigos da ciência. Por isso não se sente mais motivada a financiá-la. (Horgan, 1998).

4         CONCLUSÃO

O conflito entre ciência e religião não é uma questão do século XXI. Ele faz parte da civilização ocidental e da própria historia da ciência. Tanto as religiões quanto a ciência buscam as mesmas respostas: explicar a realidade do Universo. Enquanto a ciência trabalha para responder com fórmulas, com teorias comprovadas em experiências, as religiões fortalecem o argumento de um ser supremo que tudo pode, tudo faz, tudo decide e tudo criou com base na falta de respostas da ciência.

As comunidades científicas têm se debatido entre esses conflitos por causa do contexto sociocultural em que os estudos são feitos e os resultados apresentados. Exemplo disso é a vida tumultuada que foi a de Galileu Galilei (1564-1642) aos se debater entre a própria sobrevivência, a sobrevivência de sua família, o medo tipicamente católico romano diante do novo e a ameaça à imagem bíblica do mundo que os resultados de seu telescópio apresentavam. (Sobel, 2000).

Em nossos dias o Papa João Paulo II, [...] despertou admiração em muitos cientistas e historiadores por suas ambíguas manifestações a respeito do caso Galileu. [...] ele pretendia que o caso fosse examinado por uma comissão investigatória. Mas após a conclusão dos trabalhos, [...]o Papa evitou confessar claramente a culpa de seus antecessores e da Santa Congregação da Inquisição (hoje “Congregação para a Defesa da Fé”), [...]. (Küng, 2005, p. 20 e 21, grifo no original).

Percebe-se que em volta de Galileu bem como de Darwin, uma legião de estudiosos, teóricos, filósofos, cientistas, sociólogos, teólogos construíram e constroem resultados com a convicção necessária ao crédito por causa das forças socioculturais fundamentada na fé em um Deus criador, representadas pela instituição “igreja/religião”.

O poder das forças sociais e culturais estabelecidas favorece o cultivo da fé em um Deus criador mesmo que a ciência explique a natureza com conhecimentos construídos pela experiência mensurável. Por mais que a ciência defina uma idade cronológica considerável para o Universo, continuamos acreditando em uma possível “harmonia divina do mundo presente em todas as coisas e relações” mesmo que “matematicamente fundamentada”. (Küng, 2005, p. 17)
Dawkins (2009), no livro O Maior Espetáculo da Terra, defende que a “evolução é um fato inescapável” e, com isso, exaltou seu “poder, simplicidade e beleza impressionantes” (ibidem, p. 27). As sociedades humanas se entregam cegamente a médicos e não a bruxo com a mesma confiança que têm na ciência – nesse caso a medicina. As pesquisas mostram que mais de oitenta por cento das pessoas acreditam na existência de Deus e que ele interfere nos processos do Universo.

As três afirmações do parágrafo anterior deixam o tema em aberto para novas inferências às propostas nesse breve estudo sobre Ciência e Religião e a relação entre elas e delas com seu entorno.    

Referências bibliográficas
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[1] O termo “muito” aqui está posto com o significado de “exagerado”, “além do necessário”, portanto, de não ser bom. Quando é “muito” não é o ideal para os padrões normais.
[2] Feyerabend foi um filósofo social com características de “anarquismo metodológico” ao defender a teria de que os cientistas deveriam decidir seu método particular e pessoal de fazer ciência, sem necessidade de filósofos impondo regras metodológicas. 
[3]  Em Astronomia, heliocentrismo é a teria que o Sol está estacionário no centro do Universo. Historicamente era oposto ao geocentrismo que colocava a terra no centro.
[4] A teoria do evolucionismo afirma que as espécies animais e vegetais, existentes na Terra, não são imutáveis. Teoria oposta à doutrina do criacionismo que acredita na origem da vida por ato divino.
[5] Criacionismo é a crença que explica a origem do Universo, do planeta Terra e de todas as formas de vida através da criação de Deus. Esta crença tem como base às explicações que fazem parte do livro de Gênesis (Velho Testamento da Bíblia Sagrada). O criacionismo faz parte da base de crenças de três importantes religiões monoteístas do mundo: judaísmo, cristianismo e islamismo.O criacionismo faz oposição às explicações evolucionistas científicas, criadas principalmente por Charles Darwin e Lamarck no século XIX.
[6] Títulos de artigos publicados em sites de cunho acadêmico universitário.
[7] Mais conhecido instituto de pesquisa de opinião dos Estados Unidos.

Um comentário:

  1. O artigo "Ciência e Religião – uma questão de fé" contem um erro estranho. Encontra-se uma citação minha, mas o que é colocado na minha boca não vem de mim. Nunca falei ou escrevi as frases "citadas".

    Frank Usarski



    Leni Chiarello Ziliotto

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