Sinop e suas mulheres pioneiras. Uma história
de trabalho, coragem, persistência, amor e muita fé. O olhar aguçado da autora
e a bela narrativa das histórias de vida das mulheres “pioneiras” revelam o
passado e o presente de Sinop de uma forma original nesta obra. As chamadas mulheres
pioneiras fazem parte dos muitos sulistas, paulistas e outras regiões do Brasil
que na década de 1970 vieram ocupar as “terras de ninguém” no Mato Grosso.
Muitos voltaram, mas elas fazem parte dos muitos que resistiram, ficaram e
construíram um dos atuais grandes centros agropecuários do Brasil. Centro-Oeste,
de rápido crescimento populacional e econômico, que hoje conta com cidades como
Sinop, Lucas do Rio Verde Sorriso, Nova Mutum, somadas a Alta Floresta, Primavera
do Leste, Campo Verde e outras que até 1975 eram pura mata e hoje se apresentam
como potências econômicas.
Foram sessenta e duas testemunhos, de
mulheres vindas de diferentes lugares e com historias únicas de vida, mas
unidas pela experiência de haverem compartilhado da construção de Sinop desde suas
origens. Neste processo, os relatos revelam também muitas qualidades em comum:
o estoicismo, persistência, altruísmo, dignidade, generosidade e religiosidade
destas mulheres. Uma pergunta que emerge seria, o porquê do sacrifício destas
mulheres, muitas das quais deixaram suas famílias de origem, trabalho
profissional, e um relativo conforto, para se aventurarem no desbravamento da floresta,
vivendo de forma precária, embaixo de lonas, sem eletricidade, água potável,
mercados e outros benefícios da cidade.
Afinal, qual seria o objetivo de tudo isto?
Novas aventuras? Projeto familiar? Garantia de um futuro melhor para os filhos?
Mobilidade social e econômica? Sonho da terra e casa própria? Necessidades e
luta pela sobrevivência? Os relatos mostram que os motivos dessas mulheres
pioneiras, para enfrentarem com suas famílias a colonização de Sinop, não pode
ser reduzido a um ou dois dos fatores mencionados. As histórias de suas
numerosas famílias de origem, o projeto da sua família de procriação, bem como
os sonhos de uma vida melhor para os filhos, pareceriam assumir a prioridade entre
as razões para vir colonizar Sinop. Entretanto, a narrativa e diversidade das
experiências aponta para uma complexidade ainda maior de razões, onde interagem
fatores de ordem histórica, temporal e espacial importantes. Os fatores de
ordem pessoal, familiar, sócio econômico e mesmo religiosos justificariam o
sacrifícios do desbravamento de novas terras bem como e a história de perdas e
logros alcançados. Isto incluiu acidentes e perdas de entes queridos, por falta
de produtos e serviços médicos, mas também inclui muitos filhos bem sucedidos,
com educação de nível superior e negócios próprios. Oportunidades de liderança
das mulheres na comunidade, com suporte efetivo de padres e freiras para
reproduzirem seus valores de família e fé, bem como garantirem o projeto de
educação dos filhos com a construção de igrejas e escolas.
Portanto, foram vários os motivos presentes
na decisão das famílias, ou mais bem dos homens da família, ao responderam as
ofertas atrativas do “eldorado”, pelas empresas colonizadoras. Os homens,
maridos e filhos, foram primeiro visitar o Mato Grosso, compraram terras e
depois levaram as mulheres e filhos, confiantes de que as companheiras mulheres
seriam fundamentais para o sucesso do empreendimento. Estas não desapontaram, e
foram mesmo figuras decisivas como as pioneiras relatam.
No processo de colonização de Sinop, as
pioneiras demonstram que não existe uma separação entre as esferas do espaço
público e privado. O público seria o espaço do mercado, do trabalho fora da
casa, onde predominariam os homens, enquanto o espaço privado seria
representado pela família e de domínio das mulheres. De fato, as mulheres
pioneiras, ao enfrentarem lado a lado com seus maridos e filhos o desbravamento
da floresta e todas outras atividades de construção de Sinop, desconstruíram
também a visão tradicional da divisão das esferas pública/privada, e
reinventaram os papeis de gênero, ou seja, o entendimento do que seria tarefa
de homem e tarefa de mulher.
Ao dar voz e rosto às mulheres pioneiras de
Sinop, Leni Chiarello Ziliotto nos oferece não só um livro bonito e original,
mas documenta e revela um dos segredos do sucesso da nova colonização do
Centro-Oeste: o papel das mulheres neste processo. A perspectiva das mulheres,
implícita na obra se materializa na metodologia adotada, bem como nos relatos das
práticas e discursos destas. Deixa claro a prevalência de um sistema de
relações de gênero ainda bastante tradicional, mas também evidencia os avanços
provocados e alcançados pelas mulheres pioneiras. Estas desafiaram visões e práticas
conservadoras, contribuindo para desmistificar as relações de gênero e
reafirmar, uma vez mais, a falsidade da divisão de trabalho entre as esferas
pública e privada.
Nesse sentido, “O Brilho de Estrelas
Imortais” traz uma contribuição fundamental tanto para a história de Sinop como
para os estudos sobre mulheres e as relações de gênero no país, importante nesse
momento histórico crucial, de riscos e retrocessos dos direitos e equidade de
gênero conquistados nas últimas décadas.
Ana Maria Goldani
Doutora em Sociologia
Professora na UNICAMP, Campinas/ São Paulo;
Professora na Universidade da Califórnia Los Angeles
(UCLA);
Professora na Princenton University, em New Jersey,
Estados Unidos.
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