Pioneirismo na
Amazônia Brasileira
Entre as ESTRELAS IMORTAIS, há o BRILHO DE
minha mãe, Maria Paula, com carinho especial; da Dona Nilza de Oliveira Pipino,
esposa do colonizador; e de sessenta e duas pioneiras de Sinop, Mato Grosso.
Mulheres guerreiras, batalhadoras, fortes, determinadas, amorosas, dedicadas,
felizes!
Escrever O BRILHO DE ESTRELAS IMORTAIS –
Volume II, dando continuidade à proposta iniciada em Nova Mutum, também Mato
Grosso, é dar continuidade à alegria e ao privilégio de ter pessoas maravilhosas
compondo as páginas do livro da minha vida, e também de olhar a história de
vida de mamãe a partir do seu relato.
Sou grata aos meus pais, Maria Paula Taufer
Chiarello e Erzelino Chiarello, pela vida, pelas providências e pelos ensinamentos.
Juntos, são referência para muitos passos que dei e darei na vida. Sou grata a
cada uma das mulheres de Sinop, por terem me recebido em seus lares, com
carinho e acolhida. Grata por confiarem as histórias de suas vidas que,
organizadas para esse registro, se tornaram, cada uma, referências para meu
aperfeiçoamento pessoal.
No início da proposta, há dois anos, optando
pela temática pioneirismo, pensei em entrevistar mulheres que chegaram a Sinop
entre os anos de 1970 a 1985. Iniciados os trabalhos, constatei que as
pioneiras, na sua grande maioria, graças a Deus, estão vivas, e o livro se
daria no mínimo com mil páginas. Isso é bom. É muito bom.
Contudo, para que o projeto fosse exequível,
optei por reduzir a pesquisa entre os anos de 1970 e 1980. Ainda assim, além
das sessenta e duas que aqui estão, um número considerável de mulheres que
chegaram nesse período não foram contempladas nessa obra. Por isso, fica o
encaminhamento para que se produza o Volume III do BRILHO DE ESTRELAS IMORTAIS,
ainda em Sinop.
Dia vinte e quatro de junho de 2015, na casa
da Dona Anízia Mendes Gobbo, foi o momento em que iniciei os trabalhos.
Professora Anízia, aposentada e conhecida por todas as famílias pioneiras de Sinop,
se propôs a ajudar; e como ajudou! Disse ela, um dia, com brilho nos olhos:
“voltei a trabalhar”.
Anízia, grande amiga, muito obrigada.
Por meio do nome dela, registro minha
gratidão a todos que contribuíram com esta obra. Plural, porque foi escrita a
várias mãos; estas, guiadas por mentes e corações elevados. Entregamos ao leitor
nossa história que, revivida ao contá-la, proporcionou momentos de fortes
emoções.
Ao digitalizar fotografias das vivências de
cada uma, às madrugadas, eu imaginava aquele mundo, aquela época, aquela
menina, aquela jovem, hoje mulher, que hoje se diz feliz, realizada. Eu imaginava
detalhes, sentimentos, de outros tempos, de outras pessoas, de outros lugares,
de Sinop iniciando, de Sinop crescendo, de Sinop se agigantando. Momentos meus,
ímpares, sentindo a VIDA em uma fotografia. Inexplicável!
Vindo do Rio Grande do Sul, ao chegar a Mato
Grosso para morar, acompanhando a trajetória de filhos que provocamos voar, eu
disse que viver a experiência do Mato Grosso foi mais do que cursar as disciplinas
de um curso de doutorado. Registrar a história dessas sessenta e duas mulheres
pioneiras de Sinop, assim como a de mamãe, afirmo que é mais do que escrever a
tese de um curso de doutorado.
A aprendizagem é significativa e
construtiva. A evolução enquanto pessoa e profissional é grande. Gratidão é o
que manifesta, portanto, meu coração.
Eu sou escritora por vocação e não por
formação, como disse o filósofo Platão, e minha veia literária até então era a
poesia. Por isso, a presença dela é fato. Defini-la? Alguém poderá? A mim,
escrevê-la basta. Para mim, escrever é viver! Escrevo na sinceridade da alma
com base na filosofia da vida.
Para quem dispõem de tempo para pesquisar,
seja pela própria pesquisa, por amor ou gosto à atividade, para conhecimento e
enriquecimento pessoal, pode investigar a trajetória humana e constatar que as
pessoas, homens e mulheres, excluídas da sociedade e/ou eliminadas desse mundo por
meio da própria ação humana, são escritas, na literatura ou mesmo na história,
como “pessoas à frente de sua época”, e passam a ser admiradas por gerações há
séculos de distância, sem o devido merecimento enquanto vidas terrenas.
No universo feminino a batalha é mais árdua,
uma vez que, culturalmente, a autonomia da mulher se dá pelo maior valor
social, o econômico, ou seja, se ela for rica, sua família representa amparo social
e moral. Do contrário, ela vivencia as mais vis situações até, corajosamente,
conquistar sua liberdade, sua autonomia, sua igualdade enquanto pessoa,
independente de gênero.
Propõem-se, aqui, portanto, observar e
analisar com amor os processos humanos, considerando cada ser como “criatura”,
para trilharmos o caminho da evolução com sabedoria, justiça e humanidade.
Interessante a analogia das “Mulheres de
Atenas” e a cultura grega, com Iracema de José de Alencar, virgem América e
mulher, e Martim, colonizador e homem. Moacir é filho, é Sinop hoje. Quem morre?
O que morre? Por que morre? O que vive? Quem vive? Por que vive? Os registros,
pelo olhar de quem? Epistemologia da evolução humana.
Se no tempo de José de Alencar a sociedade
ainda privilegiava o homem, sua literatura foi capaz de moldar a realidade
daquele tempo na forma da figura feminina, abordando a situação social e
familiar da mulher, em face do casamento e do amor, mesmo que na mentalidade
romântica da época, um amor sublimado, idealizado, capaz de renúncias, de
sacrifícios, de heroísmos e até de crimes, se redimia pela força de sua
intensidade e de sua paixão. As razões do coração, uma característica marcante
da mulher, e que transitou e transita entre a Senhora e/ou a Lucíola. Ainda
temos caminho pela frente.
Encontramos ainda ressonância na Amélia, de
Mario Lago, mas ela evoluiu. Diante de muitas lutas, nota-se que a mulher do
século atual conquistou mais autonomia e mais participação ativa na sociedade,
traços que já encontrávamos no Romantismo de José de Alencar. Poetas,
romancistas, artista, contribuindo para a sociedade humana justa, igualitária.
Na literatura e no dia a dia, a mulher
passou a refletir e questionar seu papel dentro da sociedade, dentro de suas
casas e de seus casamentos. A produção literária a mãos femininas a partir do século
XX, teve o papel de desestabilizar a legitimidade tradicional da mulher, que
era de “se não anjo do lar”, “impura” e “imoral”.
Reestrutura-se, com a contribuição da
literatura de autoria feminina, a própria identidade da mulher, em seus
desejos, ambições e trajetórias.
Nos
últimos dez anos, o Nobel de Literatura quadruplicou o número de mulheres
premiadas – um panorama que busca não apenas refletir os avanços sociais nesse
período, mas também contribuir com eles. A escritora Lygia Fagundes Telles é a
primeira brasileira indicada ao Prêmio Nobel da Literatura, em 2016, aos
noventa e dois anos. Porém, Bob Dylan foi o vencedor do Prêmio Nobel da Literatura
daquele ano; o músico folk de 75 anos, norte-americano, foi o primeiro cantor a
receber a distinção; também quebrando paradigmas. Mas, antes disso, o primeiro
escritor latino-americano a receber o Prêmio Nobel de Literatura foi mulher, em
1945, a escritora chilena Gabriela Mistral.
Não há necessidade de argumentos ao fato de
Selma Lagerlöf não ser tão conhecida quanto os Irmãos Grimm e Miguel de
Cervantes. Ser mulher, porém, não a impediu de receber o Prêmio Nobel de
Literatura, em 1909. Primeira mulher a receber tal honraria, além de primeira
mulher a entrar na Academia Sueca, em 1914. Sem dúvidas, uma garota à frente de
seu tempo.
E por falar nisso, cada depoimento
registrado aqui traduz desejos, ambições e trajetórias de mulheres “à frente de
seu tempo”.
Aplaudamos em tempo. Em tempo de lhes
reconhecer o devido valor e contribuição à sociedade. Iracemas e seus Moacir,
com reconhecimento, gratidão e construção ao lado de seus Martins, sem
necessidade de mortes, de mares, de diferenças. Superação pautada na coragem de
vencer cada desafio, material, pessoal, cultural.
Mulheres sinopenses que deram asas a si mesmas
e incentivaram o voo de outras mulheres. Para estas mulheres, que não perderam
a sua natureza feminina de abrir mão do cômodo para serem belas, como usar um
salto alto, fazer uma depilação à cera quente, ou luzes no cabelo e na pele, que
lhe custam o mês de trabalho, viverem boa parte da sua história em um lugar
como era Sinop em 1972, foi tão natural quanto. Essa é a sabedoria humana, sem
necessidade de ser obrigatoriamente privilégio do universo feminino.
Uma nova e positiva versão para contos de
fadas, nos quais as madrastas são boas, os pais viúvos assumem seus filhos e as
meia irmãs são mais que amigas. E, como os saltos altos, os sentimentos dessas
e outras mulheres tendem também para o céu, ou seja, importa pouco a aparência
física de uma pessoa, se ela é honesta e gentil, ou se é frágil e desprotegida,
e necessita de proteção. Isso vale para animais, para plantas.
À mulher, a vida é um bem raro, que sai dela
em forma de outra pessoa e de amor!
A força e a objetividade masculina para as
tarefas prática completam a sabedoria feminina de mergulhar no mundo mental com
objetividade e prática, buscando a solução para o que precisa resolver. Naturalmente
é ponto de encontro, de harmonia e de união.
O que fortaleceu essas guerreiras para que
elas superassem o árido do desbravamento? Não seria o que, mais uma vez a
literatura descreve no personagem Lancelot, da saga Rei Artur? Um coração
idealista, nobre, a serviço de uma causa humana, maior do que sua própria e
simples existência material!
São fadas de asas, protetoras e, ao mesmo
tempo, preparadas para voos, com seus protegidos e protetores. A luta das
mulheres não é contra os homens. E sim, em busca de um mundo onde todos,
independentemente de gênero, tenham direitos iguais. Mulher é diferente de
homem, física e psicologicamente. A luta não é para ser igual aos homens. É
para um mundo onde o fato de ser mulher, para muitas, não mais seja uma
sentença de morte; é por um mundo em que as mulheres tenham os mesmos direitos
que os homens.
Nesse ano de 2017, tive a grande honra e a
graça de entrar para a Academia Sinopense de Ciências e Letras, ocupando a
cadeira vinte e cinco, cujo patrono é o escritor gaúcho Érico Veríssimo, que integrou
o movimento modernista iniciado em 1922 com a Semana da Arte Moderna. Apesar da
época, anos trinta e quarenta, em que as mulheres não possuíam voz nem
expressão, Érico compôs um grupo de personagens femininas capazes de lutar por
seus ideais, pela subsistência e pela felicidade, diante de situações adversas,
que as obrigam a caminhar rumo as suas aspirações e necessidades, econômicas ou
afetivas.
A representação da mulher na obra de Erico
Veríssimo aparece despida de caricaturas e clichês, sinalizando para a mudança
que principiava a ocorrer, pois as mulheres estavam sendo inseridas no mercado
de trabalho por meio da docência, como a personagem Clarissa, e da questão das jovens
que ousavam se aventurar pelas ruas desacompanhadas, frequentando as festas da
sociedade local, como a personagem Chinita. Esses fatores do limiar da
emancipação feminina são perceptíveis no relato das mulheres quando chegaram a
Sinop.
Percebe-se nos depoimentos que, o fato de
ser mulher, apesar de muito jovem e sem estudos suficientes, já se candidatava
para exercerem o papel de professora na comunidade. Clarissa, de Érico Veríssimo
nos anos trinta e quarenta; e as jovens pioneiras em Sinop nos anos setenta e
oitenta, unidas pelo processo de “feminização” da categoria e pela participação
da mulher nos processos migratórios em funções que dizem respeito ao ser
humano. A humanização pela ação da mulher.
A necessidade de professores em regiões de desbravamento
fez com que mulheres migrantes tomassem a decisão de trabalharem na escola,
apesar de temerem não serem suficientemente capazes, por falta de formação
adequada. Diferentemente de Clarissa, que se preparou para isso e, a ela, foi a
valiosa moeda de troca quando precisou sobreviver em ambiente agressivo e
acelerado ao deixar o interior para viver num grande centro urbano.
Tanto os depoimentos das mulheres pioneiras
de Sinop quanto as pesquisas, mostram que as profissões ligadas à educação, ao
cuidado ao doente e à assistência social, eram ocupadas por mulheres, enquanto
que os trabalhos de gestão, contabilidade, engenharia, medicina, por exemplo,
eram desempenhados por homens.
Clarissa e as pioneiras de Sinop mostraram a
mulher despojada, que enfrentou situações adversas como a pouca idade e,
algumas, a resistência do marido em vê-las ocupando um cargo no espaço público.
Uma importante contribuição para a evolução dos processos sociais na
perspectiva da igualdade de direitos, de espaços, de tratamentos, de
oportunidades. É por tudo isso que hoje podemos olhar para mulheres como a
jurista, ministra e vice-presidente do Superior Tribunal Federal (STF), Cármen
Lúcia; a médica Adriana de Oliveira Melo, Maria da Penha, e tantas outras.
Em O BRILHO DE ESTRELAS IMORTAIS, Volume I,
listei mulheres que merecem minha referência. Nesse volume II, sugiro que
conheçam a história de Elise Meitner. Penso que é uma referência interessante
para compreendermos a sociedade humana e contribuir para que ela evolua no
sentido do amor, da humanidade. “[...] A Guerra... Lise ficou seriamente
deprimida. [...]”
Para quem prefere um debate filosófico,
proponho o “Círculo de Viena” e a Filosofia de oitocentos anos antes de Cristo,
que mostra que a Filosofia desde sua origem pertenceu ao gênero humano. Boas
reflexões propõe essa mesa.
Loucura? Todos temos um pouco? Adjetivo aos
artistas? Pois seu tratamento, literalmente falando, avesso ao humanismo, foi
revolucionado no Brasil, por uma mulher. Nise da Silveira. Você sabe quem é?
Caro leitor, proponho também que dedique um tempinho para conhecer seu
trabalho.
Para a literatura e suas mulheres; para a
vida e suas mulheres; há necessidade de muitas laudas. Deixo prevalecer o
BRILHO das sessenta e duas ESTRELAS IMORTAIS de Sinop e de minha querida mamãe
para que as Academias discorram sobre, e, quiçá, nelas, identifiquem o perfil
da mulher na segunda metade do século XX, bem como sua contribuição para as
importantes conquistas dos direitos iguais para homens e mulheres que somos.
Como disse Rosa de Luxemburgo, a contribuição da mulher por um mundo onde
sejamos “socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres”.
Cada depoimento aqui apresentado é a
tradução dos anos de trabalho de mulheres que desafiaram seus tempos, fazendo
valer suas vontades em épocas em que a voz de seus pais e maridos prevalecia.
Essas sinopenses, cheias de coragem e força,
transformam suas palavras em inspiração e encaminhamentos às futuras gerações,
e provam que qualquer dificuldade é superada quando a vontade de vencer é maior
que o medo dos desafios e o amor é maior que tudo.
(Texto de
"Apresentação" do livro “O Brilho de Estrelas Imortais, volume 2” -
Sinop, 2017.)
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