quinta-feira, 26 de maio de 2016

Orgulho




Andar dez quilômetros por dia
para estudar.
Andar dez quilômetros por dia
para ensinar.
Escrever em folhas de bananeiras.
Escrever com carvão.
Olhar para o céu e pedir uma mão.

O Estado não vem.
O Estado é alguém.
O Estado sofre também!
Ele é jurado.
Ele é julgado.
O Estado.
Coitado.

Coitado de mim que devo morrer,
porque não sou ninguém sozinho.
Não me dou bem sem escola.
Não sirvo para nada sem dar um duro danado.
Devo morrer porque preciso comer.
E comer custa caro.
Ser exemplo de superação é legal.
É fenomenal.
É ...
... mais para o Estado!

Onde mora o Estado?
Quantos filhos o Estado tem?
Com quem é casado?
Posso ser amigo do Estado?

Concluí o ensino básico. Tenho diploma.
Sou analfabeto.
O “vagabundo” não ensinou, só queria salário.
Ele devia ter-me ensinado só com a imaginação.
Não precisava recursos. Afinal, todos aprendem.
É só ensinar. Só!

O Estado é professor?

Dos bons!
Ele até transformou
o jeitinho provisório de dar aulas
em padrão consolidado.
Economizou.

Economizou sabedoria!

Tem problema não.
Professor (vagabundo) é forte.
Aguenta a responsabilidade
pelo sucesso ou pelo fracasso
das políticas do Estado.

Os recursos são necessários
aos filhos do Estado,
aos amigos do Estado,
à família do Estado.
Tadinho do Estado, está fraco.
Cada um deve fazer a sua parte.
O Estado pede.

E se você é pobre, a culpa é sua.
Você não estudou.
Você não trabalhou.
Há trabalho (assalariado) sobrando.         

Quanto é o salário do Estado?
E dos filhos do Estado?
E dos amigos do Estado?

É pecado cobiçar.
Não queira o que é do rico.
Salve sua alma.
Vá estudar.
Vá trabalhar.
Deus vai recompensar.

A escola?
Entrei em uma delas
porque ouvi dizer
que lá eu ia aprendera a pensar.
Que depois dela eu iria me libertar.

Enquadraram-me!

Mas eu devo morrer.
Não consigo sobreviver.
Até aprendi o significado de subverter.
Falta-me poder.

Mudar de vida?

Morrer!

Leni, 2016.


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