[...]
O
cajueiro floresceu quatro vezes depois que Martim partiu das praias do Ceará,
levando no frágil barco o filho e o cão fiel. A jandaia não quis deixar a terra
onde repousava sua amiga e senhora. O primeiro cearense, ainda no berço,
emigrava da terra da pátria. Havia aí a predestinação de uma raça? Poti com
seus guerreiros esperava na margem do rio. O cristão lhe prometera voltar.
Todas as manhãs subia ao morro das areias e volvia os olhos ao mar a ver se
branqueava ao longe a vela amiga. Afinal volta Martim de novo às terras, que
foram de sua felicidade, e são agora de amarga saudade. Quando seu pé sentiu o
calor das brancas areias, derramou-se por todo seu ser um fogo ardente, que lhe
requeimou o coração: era o fogo das recordações acesas. A chama só aplacou
quando ele tocou a terra onde dormia sua esposa; porque nesse instante seu
coração transudou, como o tronco do jataí nos ardentes calores, e refrescou sua
pena de lágrimas abundantes. Muitos guerreiros de sua raça acompanharam o chefe
branco, para fundar com ele a mairi dos cristãos. Veio também um sacerdote de
sua religião, de negras vestes, para plantar a cruz na terra selvagem. Poti foi
o primeiro que ajoelhou aos pés do sagrado lenho; não sofria ele que nada mais
o separasse de seu irmão branco; por isso quis tivessem ambos um só deus, como
tinham um só coração. Ele recebeu com o batismo o nome do santo, cujo era o
dia; e o do rei, a quem ia servir, e sobre os dois o seu, na língua dos novos
irmãos. Sua fama cresceu, e ainda hoje é o orgulho da terra, onde ele viu a luz
primeiro. A mairi que Martim erguera à margem do rio, nas praias do Ceará, medrou.
A palavra do Deus verdadeiro germinou na terra selvagem; e o bronze sagrado
ressoou nos vales onde rugia o maracá. Jacaúna veio habitar nos campos da
Porangaba para estar perto de seu amigo branco; Camarão assentou a taba de seus
guerreiros nas margens da Mocejana. Tempo depois, quando veio Albuquerque, o
grande chefe dos guerreiros brancos, Martim e Camarão partiram para as margens
do Mearim a castigar o feroz tupinambá e expulsar o branco tapuia. Era sempre
com emoção que o esposo de Iracema revia as plagas onde fora tão feliz, e as
verdes folhas a cuja sombra dormia a formosa tabajara. Muitas vezes ia
sentar-se naquelas doces areias, para cismar e acalentar no peito a agra
saudade. As jandaias cantavam ainda no olho do coqueiro; mas não repetiam já o
mavioso nome de Iracema. Tudo passa sobre a terra.
José de Alencar
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