sexta-feira, 12 de maio de 2017

PREFÁCIO



Sinop e suas mulheres pioneiras uma historia de trabalho, coragem, persistência, amor e muita fé.

O olhar aguçado da autora e a bela narrativa das histórias de vida das mulheres “pioneiras” revelam o passado e o presente de Sinop de uma forma original nesta obra. 

As chamadas mulheres pioneiras fazem parte dos muitos sulistas, paulistas e outras regiões do Brasil que na década de 1970 vieram ocupar as “terras de ninguém” no Mato Grosso. 

Muitos voltaram, mas elas fazem parte dos muitos que resistiram, ficaram e construíram um dos atuais grandes centros agropecuários do Brasil. O Centro-Oeste, de rápido crescimento populacional e econômico, que hoje conta com cidades como Sinop, Lucas do Rio Verde, Sorriso, Nova Mutum, somadas a Alta Floresta, Primavera do Leste, Campo Verde e outras que até 1975 eram pura mata e hoje se apresentam como potências econômicas.

Foram sessenta e dois testemunhos, de mulheres vindas de diferentes lugares e com histórias únicas de vida, mas unidas pela experiência de haverem compartilhado da construção de Sinop desde suas origens. 

Neste processo, os relatos revelam também muitas qualidades em comum: o estoicismo, persistência, altruísmo, dignidade, generosidade e religiosidade destas mulheres. 

Uma pergunta que emerge seria, o porquê do sacrifício destas mulheres, muitas das quais deixaram suas famílias de origem, trabalho profissional, e um relativo conforto, para se aventurarem no desbravamento da floresta, vivendo de forma precária, embaixo de lonas, sem eletricidade, água potável, mercados e outros benefícios da cidade.

Afinal, qual seria o objetivo de tudo isto? 
Novas aventuras? 
Projeto familiar? 
Garantia de um futuro melhor para os filhos? 
Mobilidade social e econômica? 
Sonho da terra e casa própria? 
Necessidades e luta pela sobrevivência? 

Os relatos mostram que os motivos dessas mulheres pioneiras, para enfrentarem com suas famílias a colonização de Sinop, não pode ser reduzido a um ou dois dos fatores mencionados. 

As histórias de suas numerosas famílias de origem, o projeto da sua família de procriação, bem como os sonhos de uma vida melhor para os filhos, pareceriam assumir a prioridade entre as razões para vir colonizar Sinop. 

Entretanto, a narrativa e diversidade das experiências aponta para uma complexidade ainda maior de razões, onde interagem fatores de ordem histórica, temporal e espacial importantes. 

Os fatores de ordem pessoal, familiar, sócio econômico e mesmo religiosos justificariam o sacrifícios do desbravamento de novas terras bem como e a história de perdas e logros alcançados. 

Isto incluiu acidentes e perdas de entes queridos, por falta de produtos e serviços médicos, mas também inclui muitos filhos bem sucedidos, com educação de nível superior e negócios próprios.

Oportunidades de liderança das mulheres na comunidade, com suporte efetivo de padres e freiras para reproduzirem seus valores de família e fé, bem como garantirem o projeto de educação dos filhos com a construção de igrejas e escolas.

Portanto, foram vários os motivos presentes na decisão das famílias, ou mais bem dos homens da família, ao responderam as ofertas atrativas do “eldorado”, pelas empresas colonizadoras. 

Os homens, maridos e filhos, foram primeiro visitar o Mato Grosso, compraram terras e depois levaram as mulheres e filhos, confiantes de que as companheiras mulheres seriam fundamentais para o sucesso do empreendimento. 

Estas não desapontaram, e foram mesmo figuras decisivas como as pioneiras relatam.

No processo de colonização de Sinop, as pioneiras demonstram que não existe uma separação entre as esferas do espaço público e privado. 

O público seria o espaço do mercado, do trabalho fora da casa, onde predominariam os homens, enquanto o espaço privado seria representado pela família e de domínio das mulheres. 

De fato, as mulheres pioneiras, ao enfrentarem lado a lado com seus maridos e filhos o desbravamento da floresta e todas outras atividades de construção de Sinop, desconstruíram também a visão tradicional da divisão das esferas pública/privada, e reinventaram os papeis de gênero, ou seja, o entendimento do que seria tarefa de homem e tarefa de mulher.

Ao dar voz e rosto às mulheres pioneiras de Sinop, Leni Chiarello Ziliotto nos oferece não só um livro bonito e original, mas documenta e revela um dos segredos do sucesso da nova colonização do Centro-Oeste: o papel das mulheres neste processo. 

A perspectiva das mulheres, implícita na obra se materializa na metodologia adotada, bem como nos relatos das práticas e discursos destas. Deixa claro a prevalência de um sistema de relações de gênero ainda bastante tradicional, mas também evidencia os avanços provocados e alcançados pelas mulheres pioneiras. 

Estas desafiaram visões e práticas conservadoras, contribuindo para desmistificar as relações de gênero e reafirmar, uma vez mais, a falsidade da divisão de trabalho entre as esferas pública e privada.

Nesse sentido, “O Brilho de Estrelas Imortais” traz uma contribuição fundamental tanto para a história de Sinop como para os estudos sobre mulheres e as relações de gênero no país, importante nesse momento histórico crucial, de riscos e retrocessos dos direitos e equidade de gênero conquistados nas últimas décadas.

Ana Maria Goldani
Doutora em Sociologia
Professora na UNICAMP, Campinas/ São Paulo;
Professora na Universidade da Califórnia Los Angeles (UCLA);
Professora na Princenton University, em New Jersey, Estados Unidos.









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