sexta-feira, 12 de maio de 2017

APRESENTAÇÃO



Entre as ESTRELAS IMORTAIS, há o BRILHO DE minha mãe, Maria Paula, com carinho especial; da Dona Nilza de Oliveira Pipino, esposa do colonizador; e de sessenta e duas pioneiras de Sinop, Mato Grosso. Mulheres guerreiras, batalhadoras, fortes, determinadas, amorosas, dedicadas, felizes!
Escrever O BRILHO DE ESTRELAS IMORTAIS – Volume II, dando continuidade à proposta iniciada em Nova Mutum, também Mato Grosso, é dar continuidade à alegria e ao privilégio de ter pessoas maravilhosas compondo as páginas do livro da minha vida, e também de olhar a história de vida de mamãe a partir do seu relato.

Sou grata aos meus pais, Maria Paula Taufer Chiarello e Erzelino Chiarello, pela vida, pelas providências e pelos ensinamentos. Juntos, são referência para muitos passos que dei e darei na vida.
Sou grata a cada uma das mulheres de Sinop, por terem me recebido em seus lares, com carinho e acolhida. Grata por confiarem as histórias de suas vidas que, organizadas para esse registro, se tornaram, cada uma, referências para meu aperfeiçoamento pessoal.

No início da proposta, há dois anos, optando pela temática pioneirismo, pensei em entrevistar mulheres que chegaram a Sinop entre os anos de 1970 a 1985. Iniciados os trabalhos, constatei que as pioneiras, na sua grande maioria, graças a Deus, estão vivas, e o livro se daria no mínimo com mil páginas. Isso é bom. É muito bom.

Contudo, para que o projeto fosse exequível, optei por reduzir a pesquisa entre os anos de 1970 e 1980. Ainda assim, além das sessenta e duas que aqui estão, um número considerável de mulheres que chegaram nesse período não foram contempladas nessa obra. Por isso, fica o encaminhamento para que se produza o Volume III do BRILHO DE ESTRELAS IMORTAIS, ainda em Sinop.

Dia vinte e quatro de junho de 2015, na casa da Dona Anízia Mendes Gobbo, foi o momento em que iniciei os trabalhos. Professora Anízia, aposentada e conhecida por todas as famílias pioneiras de Sinop, se propôs a ajudar; e como ajudou! Disse ela, um dia, com brilho nos olhos: “voltei a trabalhar”. Anízia, grande amiga, muito obrigada.

Por meio do nome dela, registro minha gratidão a todos que contribuíram com esta obra. Plural, porque foi escrita a várias mãos; estas, guiadas por mentes e corações elevados. Entregamos ao leitor nossa história que, revivida ao contá-la, proporcionou momentos de fortes emoções. Ao digitalizar fotografias das vivências de cada uma, às madrugadas, eu imaginava aquele mundo, aquela época, aquela menina, aquela jovem, hoje mulher, que hoje se diz feliz, realizada. Eu imaginava detalhes, sentimentos, de outros tempos, de outras pessoas, de outros lugares, de Sinop iniciando, de Sinop crescendo, de Sinop se agigantando. Momentos meus, ímpares, sentindo a VIDA em uma fotografia. Inexplicável!

Vindo do Rio Grande do Sul, ao chegar a Mato Grosso para morar, acompanhando a trajetória de filhos que provocamos voar, eu disse que viver a experiência do Mato Grosso foi mais do que cursar as disciplinas de um curso de doutorado. Registrar a história dessas sessenta e duas mulheres pioneiras de Sinop, assim como a de mamãe, afirmo que é mais do que escrever a tese de um curso de doutorado.

A aprendizagem é significativa e construtiva. A evolução enquanto pessoa e profissional é grande. Gratidão é o que manifesta, portanto, meu coração.

Sou escritora por vocação e não por formação, como disse o filósofo Platão, e minha veia literária até então era a poesia. Por isso, a presença dela é fato. Defini-la? Alguém poderá? A mim, escrevê-la basta. Para mim, escrever é viver! Escrevo na sinceridade da alma com base na filosofia da vida.

Para quem dispõem de tempo para pesquisar, seja pela própria pesquisa, por amor ou gosto à atividade, para conhecimento e enriquecimento pessoal, pode investigar a trajetória humana e constatar que as pessoas, homens e mulheres, excluídas da sociedade e/ou eliminadas desse mundo por meio da própria ação humana, são escritas, na literatura ou mesmo na história, como “pessoas à frente de sua época”, e passam a ser admiradas por gerações há séculos de distância, sem o devido merecimento enquanto vidas terrenas.

No universo feminino a batalha é mais árdua, uma vez que, culturalmente, a autonomia da mulher se dá pelo maior valor social, o econômico, ou seja, se ela for rica, sua família representa amparo social e moral. Do contrário, ela vivencia as mais vis situações até, corajosamente, conquistar sua liberdade, sua autonomia, sua igualdade enquanto pessoa, independente de gênero.

Propõem-se, aqui, portanto, observar e analisar com amor os processos humanos, considerando cada ser como “criatura”, para trilharmos o caminho da evolução com sabedoria, justiça e humanidade.

Interessante a analogia das “Mulheres de Atenas” e a cultura grega, com Iracema de José de Alencar, virgem América e mulher, e Martim, colonizador e homem. Moacir é filho, é Sinop hoje. Quem morre? O que morre? Por que morre? O que vive? Quem vive? Por que vive? Os registros, pelo olhar de quem? Epistemologia da evolução humana.

Se no tempo de José de Alencar a sociedade ainda privilegiava o homem, sua literatura foi capaz de moldar a realidade daquele tempo na forma da figura feminina, abordando a situação social e familiar da mulher, em face do casamento e do amor, mesmo que na mentalidade romântica da época, um amor sublimado, idealizado, capaz de renúncias, de sacrifícios, de heroísmos e até de crimes, se redimia pela força de sua intensidade e de sua paixão. As razões do coração, uma característica marcante da mulher, e que transitou e transita entre a Senhora e/ou a Lucíola. Ainda temos caminho pela frente.

Encontramos ainda ressonância na Amélia, de Mario Lago, mas ela evoluiu. Diante de muitas lutas, nota-se que a mulher do século atual conquistou mais autonomia e mais participação ativa na sociedade, traços que já encontrávamos no Romantismo de José de Alencar. Poetas, romancistas, artista, contribuindo para a sociedade humana justa, igualitária.

Na literatura e no dia a dia, a mulher passou a refletir e questionar seu papel dentro da sociedade, dentro de suas casas e de seus casamentos. A produção literária a mãos femininas a partir do século XX, teve o papel de desestabilizar a legitimidade tradicional da mulher, que era de “se não anjo do lar”, “impura” e “imoral”. Reestrutura-se, com a contribuição da literatura de autoria feminina, própria identidade da mulher, em seus desejos, ambições e trajetórias.

Nos últimos dez anos, o Nobel de Literatura quadruplicou o número de mulheres premiadas – um panorama que busca não apenas refletir os avanços sociais nesse período, mas também contribuir com eles. A escritora Lygia Fagundes Telles é a primeira brasileira indicada ao Prêmio Nobel da Literatura, em 2016, aos noventa e dois anos. Porém, Bob Dylan foi o vencedor do Prêmio Nobel da literatura daquele ano; o músico folk de 75 anos, norte-americano, foi o primeiro cantor a receber a distinção; também quebrando paradigmas. Mas, antes disso, o primeiro escritor latino-americano a receber o Prêmio Nobel de Literatura foi mulher, em 1945, a escritora chilena Gabriela Mistral.

Não há necessidade de argumentos ao fato de Selma Lagerlöf não ser tão conhecida quanto os Irmãos Grimm e Miguel de Cervantes. Ser mulher, porém, não a impediu de receber o Prêmio Nobel de Literatura, em 1909. Primeira mulher a receber tal honraria, além de primeira mulher a entrar na Academia Sueca, em 1914. Sem dúvidas, uma garota à frente de seu tempo.

E por falar nisso, cada depoimento registrado aqui traduz desejos, ambições e trajetórias de mulheres “à frente de seu tempo”. Aplaudamos em tempo. Em tempo de lhes reconhecer o devido valor e contribuição à sociedade. Iracemas e seus Moacir, com reconhecimento, gratidão e construção ao lado de seus Martins, sem necessidade de mortes, de mares, de diferenças. Superação pautada na coragem de vencer cada desafio, material, pessoal, cultural. Mulheres sinopenses que deram asas a si mesmas e incentivaram o voo de outras mulheres.

Para estas mulheres, que não perderam a sua natureza feminina de abrir mão do cômodo para serem belas, como usar um salto alto, fazer uma depilação à cera quente, ou luzes no cabelo e na pele, que lhe custam o mês de trabalho, viverem boa parte da sua história em um lugar como era Sinop em 1972, foi tão natural quanto. Essa é a sabedoria humana, sem necessidade de ser obrigatoriamente privilégio do universo feminino.

Uma nova e positiva versão para contos de fadas, nos quais as madrastas são boas, os pais viúvos assumem seus filhos e as meia irmãs são mais que amigas. E, como os saltos altos, os sentimentos dessas e outras mulheres tendem também para o céu, ou seja, importa pouco a aparência física de uma pessoa, se ela é honesta e gentil, ou se é frágil e desprotegida, e necessita de proteção. Isso vale para animais, para plantas. À mulher, a vida é um bem raro, que sai dela em forma de outra pessoa e de amor.

A força e a objetividade masculina para as tarefas prática completam a sabedoria feminina de mergulhar no mundo mental com objetividade e prática, buscando a solução para o que precisa resolver.

Naturalmente é ponto de encontro, de harmonia e de união. O que fortaleceu essas guerreiras para que elas superassem o árido do desbravamento? Não seria o que, mais uma vez a literatura descreve no personagem Lancelot, da saga Rei Artur? Um coração idealista, nobre, a serviço de uma causa humana, maior do que sua própria e simples existência material! São fadas de asas, protetoras e, ao mesmo tempo, preparadas para voos, com seus protegidos e protetores.

A luta das mulheres não é contra os homens. E sim, em busca de um mundo onde todos, independentemente de gênero, tenham direitos iguais. Mulher é diferente de homem, física e psicologicamente.

A luta não é para ser igual aos homens. É para um mundo onde o fato de ser mulher, para muitas, não mais seja uma sentença de morte; é por um mundo em que as mulheres tenham os mesmos direitos que os homens.

Nesse ano de 2017, tive a grande honra e a graça de entrar para a Academia Sinopense de Ciências e Letras, ocupando a cadeira vinte e cinco, cujo patrono é o escritor gaúcho Érico Veríssimo, que integrou o movimento modernista iniciado em 1922 com a Semana da Arte Moderna. Apesar da época, anos trinta e quarenta, em que as mulheres não possuíam voz nem expressão, Érico compôs um grupo de personagens femininas capazes de lutar por seus ideais, pela subsistência e pela felicidade, diante de situações adversas, que as obrigam a caminhar rumo as suas aspirações e necessidades, econômicas ou afetivas.

A representação da mulher na obra de Erico Veríssimo aparece despida de caricaturas e clichês, sinalizando para a mudança que principiava a ocorrer, pois as mulheres estavam sendo inseridas no mercado de trabalho por meio da docência, como a personagem Clarissa, e da questão das jovens que ousavam se aventurar pelas ruas desacompanhadas, frequentando as festas da sociedade local, como a personagem Chinita. Esses fatores do limiar da emancipação feminina são perceptíveis no relato das mulheres quando chegaram a Sinop.

Percebe-se nos depoimentos que, o fato de ser mulher, apesar de muito jovem e sem estudos suficientes, já se candidatava para exercerem o papel de professora na comunidade. Clarissa, de Érico Veríssimo nos anos trinta e quarenta; e as jovens pioneiras em Sinop nos anos setenta e oitenta, unidas pelo processo de feminização da categoria e pela participação da mulher nos processos migratórios em funções que dizem respeito ao ser humano. A humanização pela ação da mulher.

A necessidade de professores em regiões de desbravamento fez com que mulheres migrantes tomassem a decisão de trabalharem na escola, apesar de temerem não serem suficientemente capazes, por falta de formação adequada. Diferentemente de Clarissa, que se preparou para isso e, a ela, foi a valiosa moeda de troca quando precisou sobreviver em ambiente agressivo e acelerado ao deixar o interior para viver num grande centro urbano.

Tanto os depoimentos das mulheres pioneiras de Sinop quanto as pesquisas, mostram que as profissões ligadas à educação, ao cuidado ao doente e à assistência social eram ocupadas por mulheres, enquanto que os trabalhos de gestão, contabilidade, engenharia, medicina, por exemplo, eram desempenhados por homens.

Clarissa e as pioneiras de Sinop mostraram a mulher despojada, que enfrentou situações adversas como a pouca idade e, algumas, a resistência do marido em vê-las ocupando um cargo no espaço público. Uma importante contribuição para a evolução dos processos sociais na perspectiva da igualdade de direitos, de espaços, de tratamentos, de oportunidades. É por tudo isso que hoje podemos olhar para mulheres como a jurista, ministra e vice-presidente do Superior Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia; a médica Adriana de Oliveira Melo, Maria da Penha, e tantas outras.

Em O BRILHO DE ESTRELAS IMORTAIS, Volume I, listei mulheres que merecem minha referência. Nesse volume II, sugiro que conheçam a história de Elise Meitner. Penso que é uma referência interessante para compreendermos a sociedade humana e contribuir para que ela evolua no sentido do amor, da humanidade. “[...] A Guerra... Lise ficou seriamente deprimida. [...]”

Para quem prefere um debate filosófico, proponho o “Círculo de Viena” e a Filosofia de oitocentos anos antes de Cristo, que mostra que a Filosofia desde sua origem pertenceu ao gênero humano. Boas reflexões propõe essa mesa.
Loucura? Todos temos um pouco? Adjetivo aos artistas? Pois seu tratamento, literalmente falando, avesso ao humanismo, foi revolucionado no Brasil, por uma mulher. Nise da Silveira. Você sabe quem é? Caro leitor, proponho também que dedique um tempinho para conhecer seu trabalho.

Para a literatura e suas mulheres; para a vida e suas mulheres; há necessidade de muitas laudas. Deixo prevalecer o BRILHO das sessenta e duas ESTRELAS IMORTAIS de Sinop e de minha querida mamãe para que as Academias discorram sobre, e, quiçá, nelas, identifiquem o perfil da mulher na segunda metade do século XX, bem como sua contribuição para as importantes conquistas dos direitos iguais para homens e mulheres que somos. Como disse Rosa de Luxemburgo, a contribuição da mulher por um mundo onde sejamos “socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres”.

Cada depoimento aqui apresentado é a tradução dos anos de trabalho de mulheres que desafiaram seus tempos, fazendo valer suas vontades em épocas em que a voz de seus pais e maridos prevalecia. Essas sinopenses, cheias de coragem e força, transformam suas palavras em inspiração e encaminhamentos às futuras gerações, e provam que qualquer dificuldade é superada quando a vontade de vencer é maior que o medo dos desafios e o amor é maior que tudo.


Leni, 2017





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