terça-feira, 30 de julho de 2013

ANÁLISE DOS CONSELHOS GESTORES MUNICIPAIS




Maria da Glória Gohn, Profa. Dra. UNINOVE, Profa. Titular UNICAMP e Pesquisadora CNPq, analisa as formas organizacionais, as possibilidades e as tendências dessa participação, na relação sociedade/estado, destacando o espaço dos conselhos a partir da apresentação de alguns conceitos que tem sido utilizados no debate contemporâneo sobre a participação da sociedade civil em esferas públicas.
O texto aborda também as Organizações Sociais (OSs) e as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs), afirmando que a participação da sociedade civil na esfera pública - via conselhos e outras formas institucionalizadas - não é para substituir o Estado, mas para lutar para que este cumpra seu dever: propiciar educação, saúde e demais serviços sociais com qualidade, e para todos.
Para conselheiros, é de significativa importância o que Maria da Glória fundamentou sobre a participação da sociedade civil em esferas públicas e os conceitos de sociedade civil, de esfera pública, de empoderamento, de capital social e de participação. Apreender esses conceitos é primordial para uma atuação qualificada do conselheiro.
Sobre sociedade civil, Gohn destaca que o conceito passou por uma trajetória histórica até ser definitivamente introduzido no vocabulário político corrente e ser objeto de elaboração teórica com o sinônimo de participação e organização da população civil do país em lutas com práticas coletivas voltadas para a reivindicação de bens, serviços e direitos sociopolíticos, negados pelo regime político vigente. Gohn ainda diz que, nessa época, o principal eixo articulador da sociedade civil foi dado pela noção de autonomia (organizar-se independentemente do estado) e por um discurso estratégico para evitar alianças consideradas espúrias.
A autora afirma que o princípio da auto-determinação, componente fundamental num processo de autonomia, era exercitado de forma contraditória: frente à sociedade mais geral e ao estado, os movimentos, especialmente os populares, apresentavam-se como entes autônomos, com auto-determinação. Já a democracia direta e participativa, exercitada de forma autônoma, era tida como o modelo ideal para a construção de uma contra hegemonia ao poder dominante.
Gohn se fundamenta em Sader (1988) para destacar os movimentos sociais populares urbanos reivindicatórios de bens e serviços públicos e por terra e moradia, assim como em luta pelo reconhecimento de direitos sociais e culturais modernos: raça, gênero, sexo, qualidade de vida, meio ambiente, segurança, direitos humanos etc. Esse cenário ampliou o leque dos sujeitos históricos em luta como os movimentos, as associações, as instituições e as Organizações não governamentais (ONGs), além dos sindicatos e partidos políticos já atuantes.
A autora descreve o surgimento da figura do “sujeito social histórico”, centrado nos setores populares seguido de uma pluralidade de novos atores, onde a autonomia dos membros da sociedade civil deixa de ser um eixo estruturante fundamental para a construção de uma sociedade democrática.  
A questão da cidadania, para Gohn, ganha novo contorno - como cidadania coletiva – e diz que extrapola a demanda pelos direitos civis para incluir outros direitos, como os direitos sociais básicos, elementares, de primeira geração, contidos nas demandas por casa, abrigo e comida; como direitos sociais modernos, relativos a condições de trabalho, educação, saúde etc.
A ressignificação da cidadania como participação civil, trata não apenas dos direitos, mas também de deveres. Nessa afirmação de Gohn, pode-se visualizar melhor a atuação dos conselheiros, porque os deveres, na participação civil, pressupõe a responsabilização dos cidadãos em arenas públicas (em colegiados como os conselhos, por exemplo), via parcerias nas políticas sociais governamentais.
Valendo-se dos estudos de Putnam (1993), Gohn apresenta o conceito de empobrcimento relacionado à nova significação do conceito de “capital social” que, segundo Putman, deve ser analisado por analogia com as noções de capital físico e capital humano. Um cenário em que novos temas e ressignificação de velhos temas surgem para alertar que ser apenas “ativista” não é mais suficiente para qualificar o militante para o desempenho de suas tarefas. Ele deve conhecer também a comunidade onde atua e ser sensível aos seus problemas.

Assim, Gohn sustenta suas afirmações sobre a “participação” em três pressupostos:

a. Uma sociedade democrática só é possível via o caminho da participação dos indivíduos e grupos sociais organizados. b. Não se muda a sociedade apenas com a participação no plano local, micro, mas é a partir do plano micro que se dá o processo de mudança e transformação na sociedade. c. É no plano local, especialmente num dado território, que se concentram as energias e forças sociais da comunidade, constituindo o poder local daquela região; no local onde ocorrem as experiências, ele é a fonte do verdadeiro capital social, aquele que nasce e se alimenta da solidariedade como valor humano [...]. (GOHN, 2004, pag. 5).

Considerando que a análise de Gohn acerca da trajetória do associativismo brasileiro foi feita em 2004, um contexto social diferente do atual (quase dez anos depois), alguns pontos ainda convergem, como: os problemas sociais graves que necessitam respostas urgentes e o setor de perfil corporativo atuando na economia social segundo as regras da economia de mercado predominando sobre os movimentos que trabalham de forma processual, com perfil democrático e participativo e por isso com impacto na realidade lento.
Gohn diz que a importância se faz para democratizar a gestão da coisa pública; para inverter as prioridades das administrações no sentido de políticas que atendam não apenas as questões emergências, a partir do espólio de recursos miseráveis destinados às áreas sociais, ressaltando o protagonismo de alguns atores da sociedade civil no que se refere às políticas públicas, como os Movimentos Sociais e as ONGs.
Registrou-se, no texto de Gohn, a crise dos Movimentos Sociais e das ONGs na década de 1990, com tensões entre as lideranças na condução dos movimentos urbanos, principalmente em relação a questões como: institucionalização, participação ou não em conselhos propostos ou criados pelo poder público, participação em programas governamentais, etc. apontou ainda como fator de enfraquecimento o fato de várias lideranças ascenderem a cargos no poder público, ou ao parlamento.
Para a autora, os novos tempos (considerando a década de 1990), de desemprego e aumento da violência urbana, assim como o crescimento de redes de poder paralelo nas regiões pobres, ligados ao narcotráfico de drogas e outros, também colaboraram para desmotivar a população necessitada para participar de reuniões ou outras atividades dos movimentos. Registrou ainda que a nova política de distribuição e gestão dos fundos públicos, em parceria com a sociedade organizada, focalizados não em áreas sociais (como moradia, saúde, educação etc.), mas em projetos pontualizados, como crianças, jovens, mulheres etc., contribuiu para desorganizar as antigas formas dos movimentos fazerem suas demandas e reivindicações.
Quanto ao serviço público prestado à população, Gohn observa um movimento contraditório: de um lado, um avanço pelo fato de se ter contatos diretos com agentes comunitários que conhecem a realidade dos problemas locais. De outro, esse “atendimento personalizado” se inscreve num cenário de escassez de recursos humanos e material. A autora fundamentou o exposto no pensamento de Crevelim (2004) que concluiu que há limites no processo de participação dado não apenas pela falta de infra-estrutura, mas falta também uma cultura de participação, assim como falta vontade política para que a cidadania de fato seja exercida.
Para entender o papel dos diferentes tipos de conselhos que existem no Brasil, Gohn aponta a necessidade de entendermos a reforma do Estado e o que são as Organizações Sociais (OSs) e as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs). No rol dessas reformas, a autora destaca a Reforma do Estado elaborada pelo ex-Ministro Bresser Pereira que previa que as políticas públicas para as áreas de Cultura, Educação, Lazer, Esporte, Ciência e Tecnologia viessem a ser apenas gerenciadas e não mais executadas pelo Estado. A referida Reforma do Estado não incluiu os Conselhos Gestores no processo de contratação das OSs constituídas para gerirem os serviços públicos e as atividades publicizadas.
Os Conselhos gestores, mesmo com poder deliberativo, teriam a função de analisar o resultado de um processo do qual eles não participaram no início, na própria constituição da OS. Contudo, a médio prazo, os serviços na área social que saírem da órbita de execução direta pelo Estado deverão (contexto 2004) ser de responsabilidade das OSs e dos Conselhos de Gestão que estas precisam instalar. Os contratos de gestão firmados por um determinado período também teriam um Conselho relacionado com o Conselho do Município, na área social correspondente.
Por isso, Gohn diz que os conselheiros devem ter formação e consciência crítica, para terem como meta o entendimento do processo onde se inserem; entenderem a questão dos fundos financeiros públicos e os critérios que deveriam pautar seu uso para a eliminação da pobreza e das desigualdades sociais, para o atendimento das necessidades da população, segundo escalas de urgências e emergências. Aponta a esfera pública como um espaço para os cidadãos organizados exercerem fiscalização e vigilância sobre os poderes públicos constituídos via eleições, concursos ou critérios consuetudinários. Diz ainda que a ampliação da esfera pública contribui para a formação de consensos alcançados argumentativamente, numa gestão social compartilhada, gestada a partir de exercícios públicos deliberativos.
Por fim, Maria da Glória Gohn altera para uma cultura de participação da sociedade civil, no sentido dos grupos progressistas priorizarem pautas coletivas, deixando de lado “picuinhas” e divergências em torno de interesses particulares e corporativistas e atuarem nos espaços públicos da sociedade civil laços de pertencimento social, projetos, valores e visões de mundo cidadãos a fim de que os seus resultados e impactos promovam avanços na democratização das relações povo-governo e mudanças sociais significativas em direção a projetos emancipatórios, que contemplem a justiça, a liberdade, a solidariedade e a igualdade com respeito às diferenças. Ou seja, PARTICIPAÇÃO CIDADÃ, em espaços como os Conselhos, que são uma das modalidades para o exercício da cidadania.

REFERÊNCIAS
GOHN, Maria da Glória.  Empoderamento e participação da comunidade em políticas sociais.UNINOVE/UNICAMP. Pesquisadora CNPq – 2004.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Narrativas de Distopia: Reflexões sobre o Mundo Atual na Ficção

1. O Reflexo Distorcido: Distopias servem como espelhos distorcidos da sociedade atual. Ao explorar mundos sombrios e opressivos, os escrito...